domingo, 15 de novembro de 2015

IV - A Batalha de Trancoso


A batalha de Trancoso

O tratado de Salvaterra de Magos estabelecia que caso o rei de Portugal D. Fenando morresse sem deixar filho varão" a coroa passaria para sua filha D. Beatriz, casada com o rei de Castela. No entanto depois da morte de D. Fernando o poder, por testamento real, foi confiado a rainha viúva, D. Leonor Teles, o que teria causado desagrado ao rei de Castela, seu genro. A situação agravou-se com a aclamação nas Cortes de Coimbra, do mestre de Avis como D. João I, rei de Portugal. O facto considerado intolerável pelo rei castelhano levou-o a reunir forcas para fazer valer pela forca os direitos de sua mulher ao trono de Portugal. Deu início a longo período de relações conflituosas entre os dois reinos, marcado pelas vitórias portuguesas nas batalhas de Atoleiros (6 de Abril de 1384); Trancoso (entre 1 a 8 de Julho de 1385); batalha Real ou Aljubarrota (14 de Agosto de 1385) e Valverde (Agosto de 1385), que acabou com assinatura da paz Ibérica (31 de Outubro de 1411).


O rei de Castela regressado ao reino após o cerco a Lisboa preparou logo forcas para voltar a invadir Portugal. O fracasso de Lisboa agravado com a derrota em Atoleiros reclamava urgente campanha punitiva para "lavar a honra de Castela". Ordenou então a fidalgos, com o apoio do arcebispo de Toledo, a invasão de Portugal a partir de Castelo Rodrigo. A acção bélica "de diversão", simultânea com o ataque a Elvas, importante, para o êxito da campanha. O "ardido" cavaleiro castelhano D. Juan Rodrigues Castanheda, derrotado em Atoleiros com outros bons e notáveis fidalgos" iniciou os preparativos da invasão para proveitar condições existentes:
- estar por nomear o ''fronteiro'' para a região da Beira lusitana;
- a nobreza beira local estar desavinda, pois os Coutinhos, senhores de Trancoso, opunham-se aos Cunhas, senhores de Linhares da Beira;
- existir clara vantagem do invasor face as exíguas e desorganizadas hostes regionais portuguesas;
- as forcas reais de Portugal estarem a norte do rio Douro, distantes, a submeter os castelos ainda rebeldes.
A campanha, atractiva, previa êxito fácil com fartos proventos e parecia garantir impunidade ao invasor.

A circunstancia obriga a explicação, sumaria, do "afrontamento" de Trancoso, ou "espera" por a forca local ter ocupado uma posição de espera para combater com vantagem a forca invasora em deslocamento. Outra explicação considera não terem estado envolvidas forcas reais nem o ter provocado alteração significativa no confronto luso-castelhano. Terá sido travado entre 1 a 8 de Junho, de escassa memoria, embora referida por historiadores (Froissard, Ayala e Fernao Lopes). Para entender o facto e necessário relacionar datas, lugares, caminhos e praticas de guerra em uso na época. A única certeza e ter sido na Beira Alta, próximo de Trancoso e junto da capela de S. Marcos. A força invasora, cerca de dois mil homens (com não combatentes), procurou executar uma a Cyao tipo fossado (invadir o terreno inimigo para destruir, saquear, raptar prisioneiros e regressar com rapidez a evitar a forca do senhor da terra). A invasão passou por Vale da
Mula, Almeida, rodeou Pinhel, Trancoso e terminou com o saque a Viseu.
O valioso espolio, transportado em cerca de setecentas mulas, com elevado numero de prisioneiros, obrigava a regresso rápido por caminho conhecido a evitar o encontro com forcas da região.
D. Joao I e D. Nuno Alvares Pereira, sabedores da situação, tomaram rápidas medidas a apaziguar os fidalgos desavindos para evitar ou limitar a acção do invasor. João Fernandes Pacheco, emissário real e senhor de Ferreira das Aves, conseguiu unir a desavinda nobreza beira que aceitou unir forcas para dar luta ao invasor, a quem enviaram um escudeiro a avisar que seria detido no seu percurso.
A coluna invasora apeada no regresso para evitar passar por Trancoso, saiu do caminho principal para outro que passava por terra cultivada de modo a tornear a praça-forte local a distancia de dois quilómetros.
A forca portuguesa reunida em Trancoso, sabedora das notícias trazidas pelo emissário regressado, composta por 340 lanças e 1400 peões (servos da gleba e humildes agricultores "ajuntados' nas comarcas vizinhas). Ao romper a aurora, comandada por Goncalo Vasques Coutinho, sairam para um local distante meia legua, onde o invasor teria de passar no regresso, onde ficaram a aguardar. O local escolhido, adequado cabeço espaçoso, que ficava de frente para o local donde se esperava o invasor, facilitava a defesa porque estava de costas para o sol que nascia.

A coluna invasora "com cerca de três quilómetros de comprimento", pesada, vagarosa, pouco disposta a combater parou ao avistar o adversário, João Fernandes Pacheco com o estandarte avançou para discutir e propor as condições. Garantiu ao comandante castelhano que Portugal não era do rei
do Castela e afirmou com forca que "Portugal tem rei que quer manter o
seu reino, fazer justiça, punir ladroes e em seu nome ordeno a entrega imediata do saque e prisioneiros ou haverá combate " os castelhanos replicaram não ceder prisioneiros e o saque seria discutido em conferencia.
Joao Fernandes afirmou em ultimato "nesse caso haverá combate".
A testa da coluna castelhana para evitar a forca portuguesa afastou-se e
começou a descer encosta escarpada a oeste do monte de S. Marcos em
direcção a Freches.
As portugueses deslocaram-se de imediato para nova posição a cerca de
750m a sudeste da anterior, para barrar a fuga, junto a ermida de S. Marcos onde forcaram a peleja. A posição virada a ocidente permitia ao dispositivo português ficar com o flanco direito apoiado no arvoredo, encostado ao templo e o esquerdo ficar protegido pela escarpa do monte.
A coluna inimiga em resposta parou e organizou-se. Castenheda, afamado cavaleiro castelhano, conhecedor da táctica utilizada por portugueses em Atoleiros mandou desmontar os seus 400 homens de armas, ficando apenas os cavaleiros montados, após o que atacou a forca adversaria.
A forca portuguesa, disposta em formação em uso na época, ficou com os
homens de armas no centro das duas filas. De cada lado, alinhada, um pouco afastada, situava-se outra ala de comprimento igual a do centro, um pouco descaida para a retaguarda.
O avanco castelhano por terras lavradas prejudicou o ataque por obrigar a abordar sem ordem o dispositivo português que se manteve forte e unido.
Muitos peões portugueses "arrebanhados a ultima hora" aterrados com a superioridade castelhana procuraram refugiar-se em Trancoso mas na fuga
foram dizimados pela cavalaria inimiga. Os sobreviventes vieram de novo as forcas de onde tinham fugido e bateram-se com coragem. O combate de mais de três horas terminou para além do meio-dia devido ao muito calor que se fazia sentir.
Os pendoes e estandartes dos fidalgos castelhanos ao ir a terra anunciavam o insucesso do propósito castelhano, que se veio a confirmar. O invasor aterrorizado acabou atabalhoadamente a procurar salvacao na fuga, abandonando companheiros e saque para evitar o total extermínio. Foi poupado um dos capitães para relatar o sucedido. Fernão Lopes resume o resultado da luta deste modo U... dos portugueses não morreu nenhum Capitão nem homem de grande ou pequena monta" .
Em reflexão breve do facto importa referir a importância deste confronto
pois:
- foi de homem para homem que salientou querer, valor e destreza individual que exemplificou com invulgar clareza a essência do espirito da cavalaria e a tempera do homem medieval;
- a duração, a habilidade manual e o resultado obtido foram excepcionais pela duração da luta, elevado numero de baixas causadas ao invasor, libertação de prisioneiros e recuperação do saque inimigo. A consequência do feito originou perturbação e desorganização dos sistemas castelhanos (feudal e senhorial).
- a importância politica e bélica, valiosas para Portugal, deu animo a nação
portuguesa levando-a a acreditar que o valor colectivo dependia da conduta e vontade de cada um.

PARA SABER MAIS
AYALA, Pero Lopez de, Cronica de Dom Juan Primeiro, 1385
ARNAULT, Salvador Dias, A batalha de Trancoso, Faculdade de Letras de Coimbra,
1947;
FROISSART, Jean. A batalha de Trancoso, Chroniques, Societe de l'Histoire de
France, Paris, 1356-1388;
SOUSA, Duarte Pacheco, A batalha de Trancoso, 2003;
VEIGA, Augusto Botelho da Costa, De Estremoz a Aljubarrota, Revista "0 Instituto"

vo1.80/81/82



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