sábado, 12 de março de 2016

XVII - A Padeira de Aljubarrota

A PADEIRA DE ALJUBARROTA
I - ANTECEDENTES
O entardecer de 14 de Agosto de 1385 foi dramático para a gente que combateu do lado de Castela em fuga atabalhoada de S. Jorge, em todas as direcções, para se salvar das vitoriosas forcas de Portugal, comandadas pelo condestável D. Nuno Alvares Pereira.
A batalha Real (de Aljubarrota), terminada pouco depois das dezanove horas, levou a fuga os derrotados que procuravam aproveitar o aconchego protector da noite na pausa da perseguição dos vencedores, que ficavam no campo de batalha, em cumprimento de importante regra da luta feudal, a recomendar ao triunfador a permanência por setenta e duas horas, três dias, no local da contenda a disposição do antagonista. Os combatentes que não tinham tornado parte da refrega buscavam salvação na fuga em direcção a Leiria (Norte), pelo caminho utilizado na invasão. Outros escolheram o Sul mas foram dizimados a ponte do rio Chiqueda pelas milícias de D. Joao de Ornelas, abade de Alcobaça e os restantes aflitos procuraram, por vezes sem sucesso, misturar-se com a população local.


II - A PADEIRA DE ALJUBARROTA
A situação confusa poderá ter criado condições para o aparecimento da lenda duma padeira de Aljubarrota, que teria morto a pazada sete castelhanos refugiados no seu forno do pão. Uma análise rápida do relato aponta alguma improbabilidade, salvo se os fugitivos, armados, preparados para a guerra, estivessem tao cansados, desorientados, famintos, temerosos, que não teriam oferecido resistência ao ser atacados por uma mulher.
É oportuno perguntar se a personagem teria existido. Escritos antigos referem que Brites de Almeida, humilde, algarvia de Faro, desde menina se fazia notar pelo feitio belicoso. Ainda rapariga tomou-se eximia praticante do jogo do pau, que permitia desafiar quem lhe desagradava, pois ficava quase sempre vencedora das lutas que provocava. Com a idade tornou-se uma mulher antipática, magra, alta, muito ágil, resistente, de feições desagradáveis onde se destacava a boca enorme, olhos brilhantes como carvões, com a particularidade de ter seis dedos em cada mão.
A venda duma pequena casa, herdada do pai, permitiu estabeleceu-se como negociante de gado, junto a raia de Castela, onde conquistou a alcunha de tubaroa (permanente) por participar em inúmeras zaragatas. Mais tarde como almocreve (transportador de fazenda em bestas de carga) fugiu para Espanha acusada de ter cometido crime de sangue. Capturada foi encerrada numa prisão em Lisboa e libertada por a polícia não ter conseguido provar o crime de que era ré. Liberta refugiou-se em Valado de Frades e depois na aldeia de Aljubarrota onde conseguiu, talvez pela forca, emprego numa padaria, que por falecimento da dona ficou sua.
Entretanto decorria nas imediações a batalha Real entre castelhanos e portugueses. O povo miúdo, acompanhava com ansia o desenrolar do confronto, que muito ''folgou'' (alegrou-se) quando soube da derrota e fuga dos invasores que atacou para muitos ferir e matar. Julga-se que padeira para aproveitar a situação tenha assumido a chefia dum grupo e praticado "larga obra de extermínio". Ao voltar a casa encontrou sete castelhanos escondidos no forno a tentar escapar a furia popular que teria morto com a pá do forno com pancadas em cutelo.

III - CONCLUSOES
O acontecimento partilhado, fantasia ou mito, aparentemente sem referencia histórica, serve para retirarmos algumas conclusões:
- a padeira de Aljubarrota, provável lenda popular do séc. XV, simboliza a vontade dos portugueses em serem independentes isto e donos do próprio destino. A vontade irmana o colectivo de Portugal, independentemente de idade, riqueza, instrução e estatuto social no presente e no futuro comum;
- será importante e necessário que na circunstancia actual a nossa vontade fosse manifestada com igual determinação, inteligência e responsabilidade, auto exigente, em pratica de trabalho qualificado e bem feito . Terá que ser projecto colectivo, sem excepção de idade ou função, na escola, em casa, no emprego, com os outros numa conduta plena de cidadania para sermos capazes de pôr o interesse colectivo acima do pessoal.

PARA SABER MAIS
- Azevedo, Filipe da Silva e CARTA A respeito d heroina de Aljubarrota Imprensa Académica 1880. Lisboa.
- Ferreira, Eduardo Marrecas ALJUBARROTA Pequena Monografia Lisboa Nas "Oficinas Fernandes" MCMXXXI

- Lopes, Fernão CRÓNICAS DE D. JOAO I Livraria civilização

XVI - Vestuário Medieval

O TRAJE E A MODA MEDIEVAL

1- O TRAJE
A) Generalidades
O Homem foi obrigado por influencia de praticas e necessidades do dia-a-dia a ter agasalho para se proteger dos rigores do tempo. Alargou o comportamento a normas sociais, Imposições religiosas, conceitos estéticos, necessidades profissionais e ate praxes politicas. Conclui-se assim que a "moda", modo de vestir próprio de determinado tempo, e manifestação cultural que ajuda a entender as gentes de certos locais em determinado período. As atuais e frequentes passagens de modelos, tornam oportuna a abordagem do tema para relatar vivencias antigas e modernas. Será partilha simples e despretensiosa cujo mérito poderá ser despertar curiosidade para comportamentos sociais de épocas passadas. Os europeus até ao séc. XI, em obediência ao figurino romano, utilizavam tecidos semelhantes, (Linho ou la) por tingir, de cor natural, em vestes amplas que dissimulavam a forma do corpo. A elegância manifestava-se pela riqueza, ornamentação do tecido e preguear do traje. A postura paga clássica defendia que braços e colo podiam estar expostos enquanto o puritanismo cristão aconselhava a cobertura de todo o corpo. O desenvolvimento posterior da tecelagem levou os centros produtores mais importantes (Inglaterra, Flandres e norte de Itália) a melhorar os seus produtos que procuraram manter secretos. Surgiram então alterações no vestuário e penteado, motivadas por vincadas transformações sociais e económicas, em parte devido a nova c1asse social “a burguesia", de humilde origem rural entretanto abastada e fixada em "burgos", cidades, que transformaram em centros de intensa actividade económica, que impulsionaram com crescente aumento de trocas comerciais.
O burguês, aproveitando o declínio de grandes casas feudais, em atitude provocatória de novo-rico sentia necessidade de superar a vizinhança com ostentação de poder em evidente sinal de quem tinha vencido na vida.
O séc. XII trouxe vestuário que manifestava influencia doutras conceções, em especial gótica, que refletia a supremacia da linha vertical sobre a horizontal, que distinguia a elegância de indivíduos altos e magros face a baixos e gordos, considerados na altura feios e ate mesmo ridículos.

O séc. XII apareceu marcado pelo atual conceito de moda.
A evolução do vestuário guerreiro determinou profundas alterações que acabaram por se refletir em todo o vestuário. Deixou de se usar a ampla cota de malha ate aos joelhos que protegia da ação da espada e da seta.
A besta vinda trazida do Oriente pelos cruzados, conduziu a utilização de novas pecas defensivas como o "ames" (armadura) que defendia o corpo com eficácia. Constituído por pecas protetoras, articuladas e ajustadas, levaram a alterar as vestes sob a armadura (quente e agressiva) que eram ajustadas ao corpo. Associadas a outras razoes a evolução do vestuário masculino na Idade Media foi espetacular ao contrário do vestuário do sexo feminino que permaneceu no figurino tradicional, amplo, em que a comodidade era determinante. A situação, facilitada por transformações verificadas na habitação (vidraças, tapetes, divisões baixas e pequenas, etc.) tornada mais clara, quente e cómoda, que facilitou a generalização da nova moda.
B) O traje medieval em Portugal
O vestuário, salvo características tradicionais e pouca sensibilidade das pessoas a moda, evoluiu lentamente, por influência de vários fatores (composição, corte e cor) ao gosto estrangeiro trazido por damas de cortes europeias (Aragão, Castela, Leão, Franca, Inglaterra, Alemanha, Áustria.) e movimentação de muita outra gente também cosmopolita, facto comentado por críticos sociais (Duarte da Gama, Simao Machado, Francisco Rodrigues Lobo, etc.), que não evitou alterações sugeridas do exterior alem fronteira, estranhas a conduta e vivencia do povo indígena.
O traje, diversificado, conforme a c1asse social do utilizador, conservou vestígios de civilizações anteriores, em particular da romana. A procura e estudo continuam difíceis pela escassez de obras iconográficas e raridade de esculturas tumulares, que não permite uma abordagem sistematizada, completa e comparativa. O tema, interessante, leva a breve abordagem, do traje medieval próprio do início da monarquia ao seculo XV.

Seculo XII
Caracterizado por filosofia "unissexo" conservou o predomínio dos vestidos talares romanos (“ttalus”, calcanhares), com o manto preso ao ombro pela "fíbula" (alfinete de segurança) que cobria duas túnicas, a superior (com fenda lateral) e a inferior (que chegava aos pés).
O traje dos nobres era adornado com vistoso cinturão de prata ou oiro.
A "gente" importante (senhores e cavaleiros), de cabelo comprido, usava barrete mole pontudo que descansava no ombro ou envolvia o pescoço.
Cobria-se com boné de veludo ou gorro (feltro ou pane) com tapa orelhas preso sob o queixo. Compunha o atavio com bigode e barba em bico.
A "gente" modesta, de cabelo curto, usava "sagum" (manto romano) com "capelo" (chapéu) e "bragas" (calces de la ou linho).
O sexo feminino alindava-se com cinto e "esmoleira" (bolsa de esmolas) bordada onde suspendia sedas e "sendais" (tecidos de seda fina), mantas ricos de cotas e sobre cotas (poncho reforçado) pregueados e guarnecidos com muitas peles. Usava 0 cabelo levantado separado por risca ao meio, trances caldas à frente e pés protegidos com sapatos bicudos de coiro doirado. Envolvia a cabeça com pano de linho ou seda atado sob o queixo e enfeitava-se com vestes de largas mangas pendentes, pregueadas ou plissadas, presas no vistoso cinto.
As religiosas, de traje semelhante, diferençavam-se pelo "escapulário" (pano que envolvia os ombros de quem o vestia) usado ainda hoje.

Século XIII
Tempo de evolução com traje marcado por usa exagerado de peles no forro das túnicas, transformação do barrete mole em rígido, abertura lateral das vestes superiores e adopção de cores muito vivas.
O vestuário feminino era caracterizado por um cinto ornamental usado obliquo pouco apertado.
A nobreza e c1ero destacavam-se por exagerado luxe no atavio. Cobriam a cabeça com chapéus moles substituídos por rígidos ou gorros de feltro, alindados com pano, de aba virada pontiaguda afrente, ou barrete redondo de tecido debruado com peles. O gorro pontiagudo era preferido por letrados e burgueses. Utilizavam quase todos calçado de "cordovão" (couro de cabra curtido), pontiagudo em forma de broa.
O sexo feminino calcava sapatos de cores vivas, prateados ou doirados, prolongados por "calcetas" (polainas). As solteiras usavam cabelo solto e comprido, enquanto as casadas prendiam-no em "reticulum romano" (rede de ouro ou prata), as viúvas usavam-no curto e coberto por touca.
As rainhas usavam a coroa sobre a coifa ou manto. Decoravam os altos toucados com uma espécie de mitra, flores de pedrarias ou " garçolas" (plumas provenientes da distante Normandia).
Os homens penteavam-se em "topete" (cabelo levantado à frente eriçado com duas mechas enormes). O evidente exagero levou o rei D. Afonso IV a proibir esta moda no seculo seguinte com multas, prisão e açoites, Cabelo e barba, compridos, eram cuidadosamente penteados ou entrançados.
O luxo contudo era praticado na generalidade de diversas maneiras:
- donas e donzelas, exageravam na utilização de jóias (anéis, gargantilhas coroas) que utilizavam em tecidos ricos (lençóis e estofos preciosos);
- cavaleiros, preferiam ricas capas de tecido estrangeiro cortadas a moda de alem fronteira;
- clerezia, tinham "acitaras" (capas) bordadas a oiro (rígidas, espessas) de brocado adornado por camurças vistosas( vermelhas e amarelas).
A moda da época era marcada por "conduta" (capa roçagante de cauda), trazida por D. Brites de Gusmão, "a rainha rabuda", segunda mulher de D. Afonso III, que marcava presença saliente na corte.
Os populares continuaram a utilizar "saios", "çorame" (manto ou capa de origem moçárabe), "capelo" e "gorras rasas", usando os homens cabelo curto e túnicas grosseiras.
As damas e donzelas utilizavam mantos de sarja e burel de Castela.
O traje guerreiro evoluiu pouco, com excepção do elmo pontiagudo que passou a cilíndrico sem septa nasal protector.


Século XIV
Trouxe alteração significativa no vestuário, particularmente nas classes mais elevadas que optaram por usar pecas curtas e justas que utilizavam normalmente, entre outros:
- "pelote" (veste de abas largas), de grande aceitação, modificado por elevação de ombros e mangas, fendidas, debruadas de recortes (por onde passavam os braços vestidos com roupa interior), que por norma eram prolongadas quase ate ao tornozelo;
- "loba" (veste talar preta dos magistrados judiciais) própria para letrados e burgueses, curta e fendida nos lados para dar passagem aos braços que apareciam pela abertura das mangas;
- usavam-se com agrado calcas de malha colorida e variada;
- os chapéus foram alterados como o barrete de feltro, veludo ou la guarnecido com aba revirada sobre a frente, adornada com metais preciosos e [olas de valor, que deu origem ao "chapéu cocarde" ornamentado com panejamento pregueado a cair sobre o ombro com volta ao pescoço tipo chapéu bolonhês. O boné redondo de veludo guarnecido de peles também era usado por muitos homens.
O cabelo era cortado pelo nível da orelha, a barba desapareceu e os sapatos usavam-se pontiagudos conforme o estatuto do utilizador.
O sexo feminino acompanhou as transformações como a modelagem do corpo pelo uso de corpetes ajustados sobre espartilho de ferro bordado e "plastrão" (colete almofadado) no peito, de peles e tecidos bordados. As mangas das sobre cotas foram alargadas e prolongadas, sendo os mantos presos com tiras de tecido sobre o peito, ricamente enfeitado com oiro e prata.
O cinto usado largo, ornamentado com metais precisos, desapareceu.
Apareceu a veste curta, cingida, debruada a pele, "corpete de abafo".
O toucado modificou-se com coifa e cabelo retorcido sob a mantilha.
As joias eram muito usadas em "gorjeiras" (gargantilhas), pulseiras, "esclavagens" (colares de missangas) com "aljofares" (brincos).
Usava-se "chapins" (calcado de senhora) de sola fina muito alta.
Os "cheiros" (perfumes) começaram a ser muito usados.
O traje popular modificou-se menos, por óbvias razoes económicas.
O sexo feminino arregaçou a sobressaia (usada por cima), modelou o tronco com o corpete e usou chapéu redondo de feltro (masculino).
O homem coloca sobre o curto "tabardo" (capote de mangas e capuz) um "cabeção" (colarinho largo e pendente).Usava calcas de malha e nas pernas polainas em canhão que deram origem ao borzeguim.
O "novo" traje eclesiástico passou a usar mitras e "chirotecas" (luvas episcopais) guarnecidas de pedraria, que utilizava com vestes litúrgicas enriquecidas com os melhores brocados e bordaduras, talhadas em casulas em bico e sapatos de coiro prensado ou tecido espesso, bordados com delirante fantasia.
O traje guerreiro muito alterado pela armadura articulada tinha o bacinete a substituir o elmo. A armadura era coberta pelo "loudel", sobrecopa que chegava aos joelhos, amortecia os golpes e protegia do calor.

Século XV
Deu por finda a evolução do traje curto para cavalheiros e vestes justas para senhoras, certamente por influência da rainha de origem inglesa mulher de D. João I. Alterou-se a composição dos toucados femininos assim como as coberturas masculinas de cabeça.
Os chapéus “cocarde”, “bolonhes” e “feltro de aba pontiaguda” foram substituídos por barretes e carapuças de copa alta mais ou menos rígida. As gorras de pano, feltro ou veludo eram por norma usadas por letrados. Os barretes em forma do pão de assucar, de cores variadas (negros, vermelhos ou de outra cor) assim como os
carapuços em cilindro (com ou sem aba) de carapuças flácidas.
Chapéus em tecido ou feltro, de aba revirada, alindados com plumas e penachos coloridos eram usados em cerimónia real ou actividade bélica.
O traje, caracterizado por mangas alteadas com chumaços e abertas a meio, para dar passagem aos braços. Os punhos e mangas eram adornados com peles, bordados e com galão também alindado.
Calcas de malha revestiam as pernas, utilizadas em conjunto com gibão cintado usado sobre pelote largo e comprido. Usava-se por vezes sobre o gibão uma sobreveste com mangas "boca-de-sino" com aberturas em quadrado, laterais, no alto do peito, solta ou presa por atilhos. Os toucados, penteados altos, de rolos divergentes, eram adornados com redes e panos. Tinham toucas altas de aba revirada com tecidos pregueados ou véus, A moda mais utilizada em Portugal utilizava o cabelo entrelaçado com fitas ou tiras bordadas com jolas.

II - A moda medieval

A Idade Media situa-se no período definido pelo séc. IV e XV. Os historiadores com base em alterações significativas consideraram o traje dividido por três períodos: inicial (476-1000); alto (1000-1300) e tardio (1300-1453).
O Imperio Romano ao ruir em 476 permitiu a invasão de Europa, entre 300 e 900, por povos bárbaros (Eslavos, Gogos, Hunos, Ostrogodos, Vândalos, Vikings, Visigodos, etc.)
O Imperio Bizantino entre (330-1453) dominava o Mediterrâneo junto a Marrocos, Península Ibérica, Franca (sul), Itália, Egipto e próximo Oriente.
Os crista os europeus tinham uma relação muito próxima com a religião católica, que terá motivado na indumentária religiosa uma similitude que ainda se mantem.
O vestuário servia de sinal hierarquizador conforme o posta e função do utilizador. A semelhança característica dos trajes europeus da época (simples e funcionais) foi alterada com o regresso dos cruzados que trouxeram tecidos e ornamentos dos países donde vinham como o Egipto e outros mais distantes, origem de importantes caravanas comerciais designadamente a China, a India, etc.
A primeira cruzada no regresso (1099) trouxe novidades em tecidos e técnicas de fabrico que deslumbraram os europeus.
Influencias variadas (teutónica, romana e bizantina) ajudaram a desenvolver um gosto acentuado por cores vivas e utilização de peles tratadas acompanhadas pela melhoria de técnicas de tecelagem. Os europeus vestidos "a túnica romana" evoluíram e deram origem a "túnica merovíngia", presa com cínto, que chegava ao joelho. O tecido por norma confeccionado por camponesas, incómodo, rustico, era tingido com produtos naturais. O linho mais comodo que a la e facilmente lavável era usado em roupa intima. A título de curiosidade refere-se que não há evidencias que o sexo feminino usava este tipo de roupa, enquanto o masculino protegia-se com um pano em tanga.
Os mais abastados usavam peles de arminho ou esquilo e os menos abonados de carneiro, ovelha, coelho ou lebre. Os europeus usavam túnica de linho com comprimento variável de manga comprida, capa de meio circulo presa ao ombro por "clâmide" (jóia) e calcas seguras por cinto. Protegiam as costas com capuz, xaile ou manto e as pernas com "chausses" (meias) de comprimento variado, presas por cinto sob a túnica. Usavam "braies" (calcões) ou calcas até ao tornozelo, presas ao quadril por cordão. Os pés calçavam cabedal que defendia a barriga da perna. Os poderosos (papa, rei e nobres) preferiam calçado vermelho ou roxo, caro, por O segredo da tinta ser bem guardado por uma família bizantina que produzia o corante em pequena quantidade.
A gente modesta, campesina, usava roupa simples, pratica, não tingida e por isso de cor crua.
O sexo feminino, atento, calcava modelos semelhantes ao pares que exibiam obra fina exposta em tiras de cabedal a envolver a perna.
Usava túnica que cobria do pescoço ao tornozelo, presa e adornada por j6ias (pedras preciosas coloridas), fitas, cintos e fivelas também de ouro, sobre camisa de linho branco de amplo decote baixo e manga curta. Usava "sobreveste" bordada ao gosto bizantino, mescla de modas (romana com oriental) acrescida em tempo frio com manta de tecido grosso de la, resistente e lavável.
O cabelo merecia atenção cuidada em particular de recém-casadas que se cobriam com véu, acessório de origem muçulmana, trazido pelos cruzados que constituía moda medieval muito apreciada. As solteiras usavam trancas caldas ou cabelo solto e as casadas levantavam-no com grampos ou pentes. Tingido de vermelho vivo, cor do agrado geral, que algumas procuravam esconder com gorro ate ao pescoço, como as freiras, faixa "barbete" que passava nas têmporas, sob o queixo, assim como "gorjal" de linho ou seda que após cobrir o pescoço e colo ia refugiar-se dentro do decote. O capuz da capa separou-se e desceu aos ombros, enquanto a cabeça era coberta por touca de linho que tapava as orelhas ou chapéu frígio.
O sexo masculino cuidava do cabelo, de varias maneiras, como os saxões que o usavam em cachos, rematado por barba também curta, teutões que enegreciam as pontas e o prendiam no lado direito e escandinavos que preferiam bastante comprido. A moda era contudo penteado aparado curto completado com barba e barrete em crista.
A cor da pele, importante, expressava o estatuto social, pois enquanto a palidez era pr6pria de gente rica, guardada em casa, já os camponeses eram trigueiros por trabalharem ao sol.
A "bolsa esmoleira" novidade das cruzadas, usada por todos, suspensa do cinto por codão de seda ou corrente metálica, conforme o estatuto do utilizador, era a vertente prática da veste.
Os seculos XI e XII, condicionados por vincadas mudanças sociais, económicas e politicas, tiveram alterações significativas pela adopção da vertente utilitária enriquecida com ornamentos estéticos a sublinhar a diferenciação das vestes dos géneros que apresentavam características próprias genericamente referidas.
O sexo feminino começou a ser caracterizado pela utilização de:
- confecção melhorada dos tecidos existentes e aparecimento da confecção de novos materiais (seda, cetim, veludo), que permitiram abandono da "roupa quadrada" e facilitaram a modelação do corpo;
- corpete de vestido, criado em 1130, utilizado de varias maneiras. As classes "altas" usavam moldado, justo, ate aos quadris, a permitir vestidos muito cintados, com pequenos decotes, presos nas costas
por cordoes, ornamentados na cintura com jóias em ouro, completados com saia comprida ate ao pés a formar cauda;
- utilização de vestidos sobrepostos, ornamentados com barras e bordados, sendo o de baixo comprido, ajustado, de manga justa ate ao pulso e o de cima curto com manga larga calda. A túnica solta criada entretanto foi substituída por vestido comprido justa ao busto.
A confecção no início do seculo XII era familiar, doméstica e caseira.
As cidades criaram nova modalidade de produção com lojas de artesãos especializados (tecelões, alfaiates, remendões, etc.) que se organizaram e filiaram em "guildas" (corporações).
O sexo masculino passou a utilizar outro vestuário como:
- calcões soltos sob a túnica;
- protecções para as pernas, semelhantes as "poulaines" da Franca e Inglaterra caracterizadas por estreitamento alongado das pontas;
- O comprimento do bico da protecção do pé era proporcional ao estatuto social do utilizador.
O séc. XIII foi marcado pelo uso exagerado de peles usadas por dentro do estuar-to, particularmente no forro das túnicas, transformação do barrete mole em rígido, aberturas laterais nas vestes e adopção de cores muito vivas.
O sexo feminino destingiu-se na utilização de variados componentes:
- cinto ornamental largo e pouco apertado;
- calçado de cor viva (dourado ou prateado) prolongado por "calcetas" (polainas);
- as mulheres solteiras usavam cabelo comprido solto, as casadas prendiam-no com "reticulum romano" (rede) de aura ou prata e as viúvas usavam-no curto coberto pela touca. As rainhas usavam coroa sobre coifa ou manto e as consideradas importantes decoravam os altos toucados com uma espécie de mitra, flores de pedraria ou "garcolas" (plumas normandas).
O período (séc. XIV e XV) caracterizou-se pela moda do vestuário manifestar menor preocupação pratica com maior preocupação ornamental. O séc. XIV marcou nítida diferenciação entre a roupa masculina da feminina, quando o atavio do homem sobressaia.
A imagem marcante do vestuário feminino configurado na "cotehardie" era materializada par:
- vestido inferior (justo) e superior (amplo ou sobre túnica) que se tornaram justos, proporcionados e volumosos. As mangas tinham aberturas para passar os braços, a cintura era alta (abaixo dos seios), saia aberta a partir da cintura e amplo decote a valorizar o colo;
- cabelo da testa rapado e bem puxado para trás.
o traje masculino, encurtado e ajustado, com vários acessórios como:
- camisas a cobrir do ombro a cintura;
- ceroulas compridas e justas ou meias compridas a cobrir as pernas;
- gibao ou colete curto estufado no peito;
- aparecimento do "codepiece" antepassado da braguilha;
- sapatos pontiagudos em pele caprina ou tipo marroquino a cobrir a canela ate ao joelho;
- utilização de "houppelande" (manto amplo) comprido ou curto ajustado na cintura.
A moda europeia no final do seculo deixou de ser reservada (artesanal e destinada a aristocracia), democratizou-se ao considerar um traje bem talhado sinal de êxito politico, económico e social.

O séc. XV sofreu marcada influencia da importante corte espanhola o que levou os homens a utilizar:
- calção largo com aberturas laterais fixado com cinto de fivela;
- gibao que conservou o estatuto de elemento básico e obrigatório;
- coletes, camisas (ornamentadas com fitas de seda), mantes, capas,
casacos curtos com lapela e mangas;
- colarinho de grande dimensão para a nobreza marcar a diferença:
- sapato de veludo de ponta quadrada e bota de tacão alto de varias cores.
As personagens importantes (Papas e reis) destacavam-se pelo luxo do atavio. Cobriam-se com chapéus moles substituídos por rígidos ou gorros de feltro alindados com panes, de aba revelada, pontiaguda afrente ou barrete redondo de tecido debruado de pele em que o gorro pontiagudo era preferido por letrados e burgueses.
Quase todos calçavam "cordovão" (sapato de couro curtido de cabra) com a forma de broa.
O cabelo era usado curto, adornado com barretes e gorros, com barba pontiaguda.
Osexo feminino marcava presença com vestidos, saias guarnecidas por dois ou três saiotes ajustados e com generosos decotes. Usava adornos variados (colares, pendentes e medalhas) e cobria a cabeça com toucas pequenas ou barretes.

PARA SABER MAIS
JAQUES, Le Costume, Livrairie Ernest Flammarion, 1942. Paris;
KYBALOVA, Ludmila (HERBENOVA, Olga, LAMAROVA, Milena),

Encyclopedie Illustré du Costume et de la Mode, Grund. 1970, Paris

domingo, 17 de janeiro de 2016

XIX - Actividade Naval Portuguesa até ao século XVI

I- Antecedentes
Portugal foi sempre influenciado pela proximidade do mar que naturalmente deu origem e condicionou a sua conduta marítima, brilhante na “era dos descobrimentos”, que afectou o mundo da época. Foi um desempenho colectivo de enorme qualidade, invulgar, que merece ser evocado, embora de passagem, com referência oportuna pela vizinhança oceânica na região de Caldas da Rainha. Virado ao Oceano Atlântico, apontado pelos rios, praticou a pesca, base económica nacional desde a sua fundação no século XII. Construiu e manobrou “pinaças” (barcos em pinho). Aprendeu técnicas antigas para navegar à vela ou a remos, com gente experiente, pois andar ao cimo das águas a afrontar perigos vários (correntes, marés e ventos) era tarefa difícil, exigente e obrigava a marear com a terra à vista, que terá dado origem à designação dos lados do barco face à proa (“bombordo”, à esquerda ou lado bom e “estibordo” à direita).   Ter estabilidade e equilíbrio sobre a água, preocupava os embarcados, que foram obrigados a construir cascos de boca larga que facilitavam a manobra de pesca (lançar ou recolher) redes e exigia pequena tripulação (pessoal em serviço).
A pesca e o transporte marítimo eram as principais actividades da navegação costeira.
O contacto com mercadores doutros lugares (Flandres, Hansa, Itália, etc.) permitiu alargar o intercâmbio Norte-Sul, que facilitou a troca comercial dalguns produtos (carne, cereais, vegetais, peixe, vinho, sal, etc.) transportados no meio mais seguro, fácil e rápido da época. O incremento mercantil atraiu contudo visitantes indesejados (piratas) que tomavam navios e assaltavam populações, o que obrigou os reis portugueses a organizar uma “esquadra” (conjunto de navios de guerra) de galés, para defender o litoral como os povos mediterrânicos.           
A antiga influência árabe, dominante da Península Ibérica ao Médio Oriente, levou a pedir ajuda aos cruzados que demandavam a Terra Santa, para fazer face à ameaça. A situação, sentida na vertente náutica pelos êxitos na África Setentrional e Península Ibérica, deu origem a nova prática marítima com a vela “ala trina” (triangular) usada até então em função auxiliar, para o desempenho de função importante na progressão, a utilizar contra o vento. O génio árabe tirou partido da leveza e transferência de peso face à imobilidade da carga cristã. As naves islamitas, ágeis, de bolina cerrada, melhoradas por piratas e corsários eram preferidas, pelo volumoso velame latino. Pequenas (50 a 100 tonéis), de pouco calado, circulavam com facilidade em fundos baixos, operadas por tripulações de 10 a 20 elementos. 
As cidades marítimas portuguesas estabeleceram relações próximas com o comércio internacional (Flandres, Hansa, Itália) que permitiram ampla troca de conhecimentos e aperfeiçoaram a arte de marear.          A exigência de carga que rentabilizava a actividade obrigou a aumentar o casco e “calado” (distância da quilha à linha de flutuação).       
As embarcações simbolizam, resumem e enaltecem a epopeia marítima de Portugal á semelhança doutros povos (“baris” egípcio, “pentecoutore”  grego, “biréma”  romana, “drakkar” escandinavo, “chèlande” bizantina, que procuraram alargar o prestígio na arte de navegar a espelhar a cultura e a vontade dum povo. O número e tipo de navios  ao longo dos séculos, de difícil catalogação, foi variado e numeroso.
A “caravela” do séc. XII, muito utilizada e bastante alterada no séc. XV, tinha o nome derivado da embarcação árabe “carávo”. Existiam na circunstância caravelas diferentes, designadas por:
- “pescareza” (pesca) de cabotagem, referida por D. Afonso III (1255) no foral de Vila Nova de Gaia, era pequena, de boca aberta, com quilha e vela triangular;
- “de descobrir” (reconhecimento), veloz, eximia bolineira, baixa, de boca aberta, por vezes coberta, com o mastro principal a meio acompanhado por 2 ou 3 do lado da proa, sendo o maior de vante, que suportavam volumoso e variado velame latino.
D. Sancho II (1223-1248) distinguia “pescadores” (praticantes da faina da pesca), de “marinheiros” (armados) que faziam “abordagem” (juntavam os barcos) para tomar o barco antagonista. As embarcações tinham parte activa na luta quando utilizavam o esporão da proa para abrir rombos no casco adverso e o castelo (torre na popa) para facilitar a defesa e tornar eficaz o ataque. 


A necessidade mercantil por exigência económica obrigou ao aumento do casco e “calado” (distância da quilha à linha de flutuação), para garantir uma rentabilidade, proporcional à carga, que deu origem à “barca” (navio largo, impulsionado por ampla “vela “redonda”  (transversal ao sentido popa-proa) que recebia o impulso do vento vindo da ré, orientado pelo leme colocado na “alheta” (curva do costado do navio colocado na popa).          D. Dinis incrementou a utilização de novas embarcações (naus, galés, etc.) e para proteger o crescente comércio costeiro externo engajou o genovês Emmanuele Pessagno para comandar a marinha mercante e organizar a de guerra.
Os navios, aparelhados para navegar “ao pego” (mar profundo), deram origem à “galé” (de casco alongado e baixo de influência mediterrânica) e à “nau” (de bordo alto para afrontar o agreste Oceano Atlântico Norte). Os navios distinguiam-se dos barcos por melhor capacidade náutica. Tinham ambos parte da “boca” coberta e pequeno convés na popa. O mastro a meio, preso por ”enxárcias” (cabos de sustentação), suportava a “clacês” (pequena torre de vigia ou de combate). As relações com a marinha mediterrânica permitiram a melhoria em organização, domínio da técnica e conhecimento cientifico, aprendidos nas rotas dos “portelanos” (mapas antigos com rosa dos ventos, portos e outras indicações náuticas) assim como a orientação por bússola.  A madeira do pinhal de Leiria e doutras matas facilitou a construção de embarcações de 50 “tonéis” (tonel correspondia a 1,5m3), permitindo à marinha mercante o transporte de cargas progressivamente maiores.
D. Fernando (1367-1383) criou as “frotas” (conjuntos de navios) de naus (mercante) e galés (armada) que fazia a guerra. Organizou o “seguro marítimo” (caixa de depósitos para cobrir avarias e naufrágios) e a “Companhia das Naus” onde se registavam os navios e que concedia privilégios aos construtores das embarcações de maior tonelagem.
Os navios ao adquirirem características fixas e precisas necessárias ao cabal desempenho da função eram referidos pelo nome do novo modelo ou tipo.

As viagens marítimas, em cada fase, utilizaram navios diferentes com determinadas especificidades, como fuste, bergantim, fragata, caravela, etc.) do séc. XIV. O período inicial caracterizou-se por usar embarcações semelhantes às usadas na cabotagem e pesca marcadas pela influência mediterrânea (porte reduzido, pesadonas, lentas), popa, redonda, guarnecida com “castelo” dum pavimento. A inclinação da bolina devido à ausência de quilha de compensação obrigava a flancos bojudos e proa afilada.
D. João I com o reinado marcado por surtos de peste bubónica motivadores de grave despovoamento, economia concentrada e o abandono da agricultura levou à faina marítima facilitada pela maioria da população, fixada em zonas costeira, a praticar pesca e comércio.    A intensão inicial de D. João I, conforme Gomes Eanes de Zurara seria “…Eu não o teria por vitória, nem o faria em boa vontade, ainda que zoubezze cobrar todo o mundo por meu, ze não zentizze que alguma maneira era zerviço de Deus” (Crónica da Guiné, cap.IX)..”. Os navios dos descobrimentos, séc. XV, evoluíram para três mastros, mas devido ao sigilo ordenado por D. João II até ao Tratado de Tordesilhas pouco se sabe sobre eles. A outra embarcação “nau”, era barco de longo curso, de grande porte, em oposição a menor para percursos pequenos.
Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador (1434) meta da passagem das viagens costeiras a oceânicas, caracterizadas por ventos alíseos que sopravam na mesma direcção (dos Trópicos para o Equador) a exigir bons conhecimentos náuticos e geográficos.
A experiência deu origem à caravela, de reconhecimento, rápida, excelente na manobra e bolina (capacidade de navegar contra o vento), de dimensão e calado, modestos, podendo se necessário ser movida a remos passados pela borda.
Bartolomeu Dias em caravela dobrou o Cabo da Boa Esperança que inaugurou a passagem do Oceano Atlântico ao Oceano Indico e abriu o caminho para o Oriente. Foi tempo para estabelecer feitorias, bases permanentes, relações comerciais e de colonização que obrigaram à utilização de navios de muito maior porte, capazes de transportar infinitas toneladas de provisões, carga e muitas tripulações marinheiras. Surgiram “as caravelas da armada” modificadas, bojudas, de grande calado, de borda alta para afrontar o profundo mar agreste, com castelos de proa  e popa elevados (daí o nome), e armação redonda, capaz de imprimir o impulso necessário, de 2, 3 ou 4 mastros principais, cada vez mais altos, com 2 ou 3 ordens de velas sobrepostas e muito velame auxiliar.
Vasco da Gama iniciou o caminho para a India (1497) pela rota aberta por Bartolomeu Dias com uma frota de três naus e uma caravela. 

II – Descobrimentos portugueses (1415-1543)     
A actividade náutica portuguesa, secular, decorreu durante os reinados em seu tempo adiante referidos.    
- D. AFONSO IV (1325-1357)
Expedições prováveis às Ilhas Canárias;
- D. JOÃO I (1385-1433)
- 1415, conquista de Ceuta no Norte de África referida como início da “era dos descobrimentos”, época de deslumbramento para os europeus. O relato dos feitos nas suas circunstâncias, foi iniciado por Gomes Eanes de Zurara em “crónicas do descobrimento e conquista da Guiné”. O feito merece evocação, mesmo breve, pela importância, dificuldade e consequências universais, que tentaremos recordar considerando os acidentes geográficos que podem ter definido etapas, balizado pelos respectivos reinados;
 - 1419, descoberta da Ilha de Porto Santo (João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira);
- 1420, descoberta da Ilha da Madeira (mesmos navegadores e Bartolomeu Perestrelo), logo colonizada;        - 1422, ultrapassado o Cabo Não, considerado limite navegável a Sul; 1427, descoberta das Ilhas orientais e centrais açorianas (Diogo de Silves) e colonizadas em 1431 (Gonçalo Velho Cabral);


- D. DUARTE (1433-1438)
- 1434, dobrado o “aterrorizador” Cabo Bojador (Gil Eanes);
- 1435 /6, descoberta do Rio do Ouro (Gil Eanes e Afonso Gonçalo):


- D. AFONSO V (1438-1481)
- 1441, descoberta do Cabo Branco (Nuno Tristão e Afonso Gonçalo)
- 1443, entrada no Golfo de Arguim (Nuno Tristão) e a  “ Bula Rex regum” atribui ao infante D. Henrique a costa africana descoberta;
- 1444, descoberta do Cabo Verde, Dakar, e Ilha de Palma (Dinis Dias);
- 1445, chegada ao Cabo Roxo, Guiné Bissau, (Álvaro Fernandes);
- 1446, chegada ao Norte da Guiné Bissau (Álvaro Fernandes);
- 1452, descoberta das ilhas Flores e Corvo dos Açores (Diogo de Teive);
- 1455, bula “Romanus Pontifex” confirma explorações portuguesas e declara que as terras e mares a Sul dos Cabos Bojador e Não são pertença dos reis de Portugal (Papa Nicolau V) e exploração dos rios Gâmbia e Gebe, Guiné Bissau ( Alvise Cadamosto);
- 1456/60, descoberta de ilhas Boavista, Santiago, Maio e Sal do Arquipélago de Cabo Verde (Alvise Cadamosto, Diogo Gomes, António da Noli);           
- 1460, morte do infante D. Henrique, descoberta da Serra Leoa e Mar dos Sargaços (Pêro de Sintra);
- 1461, descoberta de ilhas de Cabo Verde (Diogo Gomes e António da Noli);                                           
- 1462, descoberta de cinco ilhas ocidentais, Brava, São Nicolau, São Vicente, Santo Antão, ilhéus Branco e Raso de Cabo Verde (Diogo Afonso);                    
- 1469, contrato para exploração de pimenta na costa da  Guiné a Sul da Serra  Leoa (Fernão Gomes);          
- 1471, descoberta da Costa da Mina, Cabo Três Pontos e delta do Niger (João de Santarém e Pedro Escobar);
- 1472, chegada a Benim, Nigéria (Rui de Sequeira);
- 1472/3, exploração dos Camarões, Ilhas Formosa e Ano Bom (Fernando Pó);
- 1473, descoberta da foz do Ogooué a cruzar a linha do Equador (Lopo Gonçalves);                       
- 1479, Tratado de Alcáçovas que estabelece os controlos de Portugal (Açores, Guiné) e Castela (Ilhas Canárias);    


- D. JOÃO II (1481-1495)
- 1482/4, descoberta da foz do rio Congo com subida de 150km ás cataratas de Ielala (Diogo Cão);
- 1484/6, contacto com o reino de Benim, Nigéria, onde encontram pimenta que pode indiciar a proximidade da India (Afonso de Paiva, Duarte Pacheco Pereira e José Vizinho);
- 1485/6, chegada a Walvis Bay, Namíbia (Diogo Cão, II viagem);
- 1487, subida do rio Senegal até Timbuctu (Gonçalo Eanes e Pêro de Évora);
- 1487/8, dobragem do Cabo das Tormentas (Boa Esperança), entrada no Oceano Indico  (Bartolomeu Dias) e chegada a Adém (Afonso de Paiva e Pêro da Covilhã);
- 1494, o Tratado de Tordesilhas divide o mundo por descobrir entre Portugal e Espanha;


- D. MANUEL I (1495-1521)
- 1495, viagem à Groelândia (João Fernandes Lavrador e Pêro de Barcelos);
- 1497/9, viagem de circunavegação a África até Calecute, India, com regresso (Vasco da Gama);
- 1498, exploração do Atlântico Sul (Duarte Pacheco Pereira);
- 1500/1, viagem a Porto Seguro, Brasil (Pedro Álvares Cabral);
- 1500/1, viagem a Terra Nova, Canadá (Gaspar Corte Real e Miguel Corte Real);
- 1500, descoberta de Madagáscar (Diogo Dias);
- 1502, descoberta no regresso das Ilhas Seychelles (Vasco da Gama) e da Ilha da Ascenção (João da Nova);
- 1503, descoberta da Ilha de Santa Helena (Estevão da Gama); 1505, descoberta da Ilha de Ceilão, Srilanka, (Lourenço de Almeida);
- 1506, descoberta da Ilha de Tristão da Cunha (Tristão da Cunha); 1507/12, visita às Ilhas Mascarenhas (Pedro de Mascarenhas);
- 1509, travessia do golfo de Bengala, chegada a Sumatra e Malaca (Diogo Lopes de Sequeira);
- 1511, chegada à Tailândia (Duarte Fernandes) e Birmânia (Rui Gomes da Cunha);

- 1512, chegada às Ilhas Timor, Banda, Ambão e Serem (António de Abreu);           
- 1512/14, exploração do Rio da Prata, Argentina e Uruguai, (João  de Lisboa e Fernando Fróis);            
- 1513,chegada ao Mar Vermelho (Afonso de Albuquerque), idem à foz do Rio das Pérolas, (Afonso de Albuquerque) e lançar ancora ao Sul da China (Jorge Alves);                     
- 1516, chegada à Cochinchina (Vietname);
- 1525, descoberta provável da Austrália (Cristóvão de Mendonça e Lopes de Sequeira);
- 1526, chegada a Nova Guiné (Jorge de Meneses);
- 1529, Tratado de Saragoça a estabelecer o limite a Leste para as explorações portuguesas e espanholas para solucionar a “questão das Molucas”;                 
- 1538, chegada a Papua-Nova Guiné (João Fogaça);                 
- 1542/3, chegada ao Japão (Fernando Mendes Pinto, Diogo Zeimoto e Cristovão Borralho);


PARA SABER MAIS
- ALBUQUERQUE, Luís de, “Os descobrimentos Portugueses”, Academia Portuguesa de História e Academia das Ciências de Lisboa. Publicações Alfa, 1986;                                                
- “Caravelas, Naus e Galés de Portugal” Livraria Chardron, Porto;

XVIII - Peste Negra

I - ANTECEDENTES EUROPEUS
A Europa no séc. XIV foi palco de graves calamidades, provocadas por intolerância humana como "guerra dos 100 anos " que opôs a França à Inglaterra, "conflitos regionais" entre Itália e Alemanha, acção de bandos mercenários" que apavoraram muita gente, "cisma do Ocidente" entre os papas de Avinhão e Roma, agravadas por flagelos naturais como
seca, fome e sobretudo peste negra, "pandemia trágica de peste bubónica", dolorosa e mortífera, que alterou bastante a conduta medieva e obriga a referência algo circunstanciada.
Aportou à Sicília, 1347, em barcos do Oriente, espalhou-se e iniciou rápida infecção de pessoas, peste bubónica, com pulgas do agressivo rato preto de Caffa (Rattus rattus) do sopé dos Himalaias e Grandes Lagos Africanos. A acção do
roedor foi continuada por outro, cinzento e tímido, (Rattus norvegicus) que originou o aparecimento doutras epidemias, peste pneumónica, que em dois anos dizimaram quase
metade da população europeia, cerca de 75 milhões. O flagelo, desde o séc. XIV, considerado castigo divino pelos pecados do mundo, surgiu em ocorrências súbitas. O número
de mortes, grande e rápido, complicou o enterro de milhares de corpos, incomportáveis para a terra sagrada das igrejas,
que obrigou a edificar templos em cemitérios onde eram empilhados como qualquer mercadoria.
O cenário foi relatado por Giovanni Boccaccio, "Decâmeron", na cena dantesca dos infectados com dolorosos "bubões"
(inchaços) nas axilas e virilhas, do tamanho de maçãs ou ovos, corpo e língua com feridas negras, inúmeras manchas escuras ou lívidas, hemorragias subcutâneas, falência do sistema do sistema nervoso e morte em três dias. O mal por ignorância e ausência de remédio matava sem distinção.
O famoso cirurgião Guy de Chauliac, médico do Papa Clemente VI, sobrevivente e morador em Avinhão, também registou de modo tocante a desumanidade da situação. A
mortandade teve início em 1348 em duas fases. Os primeiros meses (2) traziam febre, depois expectoração sanguinolenta e morte em três dias. Os doentes vivos sofriam febre, inchaço nas axilas, virilhas e morte em 5 dias. O contágio, virulento e rápido, levava ao isolamento rompendo laços consanguíneos e
caridade familiar. O desconhecimento da causa da tragédia levou à acusação dos judeus que queriam envenenar todos. O medo agravado por irracional desespero não impediu o registo de factos edificantes, 1619, por pessoal médico, "médico da peste" que se dispunha, com risco pessoal a ir atender
infectados, com roupas e máscaras de protecção (túnica até aos pés, luvas, máscara de pássaro, chapéu), impedir a proximidade dos enfermos, receitar à distância e lancetar os
bubões com facas que podiam ter cerca de 1,8 m.
Iniciada na península Itálica, espalhou-se pela Europa, atingiu Grã-Bretanha e Portugal,1348, e Escandinávia, 1350.
Os maiores surtos europeus foram a "febre espanhola" (1596-1602) que matou um milhão de espanhóis, a "peste italiana" (1629-1631), a "grande praga de Londres" (1664-1665) e a
"grande peste de Viena" (1679). A última ocorreu na Ucrânia e Rússia (1877-1889) com 420 mortes por medidas oportunas
e apropriadas de contenção.

II - PENÍNSULA IBÉRICA
A peste manifestou-se em Portugal em 1348 (Outono), matou certa de metade da nação e marcou profundamente o mundo do trabalho, obrigou a convocar as cortes de 1352 para restaurar a ordem profundamente afectada. A morte do
rei D. Fernando, ser deixar filho varão, provocou a "crise de 1383-1385" que seria uma das consequências.
Nunca se tinha manifestado na Península Ibérica mas voltava sempre que havia gerações não imunes, como em 1569,1650 e 1899 (Porto), até ao séc. XVII. É oportuno referir que cada epidemia matava os indivíduos "susceptíveis" e poupava os
imunes, o que explica a mortandade castelhana aquando do cerco a Lisboa na III guerra fernandina. A existência de nova geração não imune, numerosa, provocava o retorno do mal noutra epidemia.
A peste humana, transmitida no contacto com roedores infectados, onde as pulgas recolhiam a bactéria no sangue, que quando mortos levava à procura doutros hospedeiros, A infecção também se propaga pela inalação de gotas (espirros
ou tosse) de indivíduo doente.

domingo, 27 de dezembro de 2015

XV - Alimentação Medieval

I - GENERALIDADES

Alguns estudiosos consideram que o Homem iniciou o cultivo do solo, há cerca de 15 000 anos, quando começou a domesticar animais para o ajudar em tarefas agrícolas ou servir de alimento em tempos de escassez. Vestígios arqueológicos parecem indicar que fenícios e egípcios teriam aprendido a cozinhar com gregos, que de longas viagens marítimas, traziam alimentos desconhecidos de todos (especiarias e ervas aromáticas).
Os romanos na conquista à Grécia aprenderam a cozinhar como relata Cadmus, notável cozinheiro da época. A gastronomia (arte de cozinhar para dar prazer a quem come) atingiu nível elevado com os césares romanos que deslumbravam convidados com banquetes apetitosos de comida preparada de modo inovador e complicado conforme Aspícius, cozinheiro romano, autor do livro mais antigo de cozinha que se conhece.
A queda de Roma deu oportunidade para a invasão da Europa por bárbaros (designação romana) que cozinhavam de modo simples e sóbrio.
A culinária medieval é considerada por Jacques Le Goff atitude social “a alimentação é a primeira ocasião para os estratos sociais dominantes manifestarem a superioridade”. É importante manifestação que espelha o comportamento de determinado povo. Tentaremos abordar o tema nas vertentes: generalidades, banquetes, comportamento à mesa e conclusões (face ao presente). Necessária consiste em ingerir alimentos que quando transformados passam a pertencer ao corpo do hospedeiro. Depende de factores: lugar de morada (origem do alimento), compromissos religiosos e sociais que deram origem a comportamentos diversos.
A Península Ibérica, local onde o Mediterrâneo encontra o Atlântico, foi visitada por sucessivos povos que deixaram memórias enriquecedoras da cultura local. A mistura dos saberes talvez explique a postura ibérica, em especial a portuguesa, na convivência com povos distantes e distintos.
Os egípcios cultivavam (4 000 a. C.) trigo, cevada e outros vegetais (alho, lentilha, cebola, alho-porro, etc.) que dedicavam ao deus Min, patrono da agricultura e fertilidade, assim como amêndoa, figo, laranja, limão, romã e tâmara, parte significativa da ementa mediterrânica. O sangue dos animais sacrificados era utilizado em morcelas, o pão, recheado com fígado ou baço, consumido em ocasiões especiais. A carne bovina (sobejos) utilizada em cerimónias importantes era conservada seca e consumida mais tarde.
A Europa, constituída por áreas alimentares características, como a está em redor do mar nostrum romano” (Mediterrâneo) deu origem à alimentação mediterrânea, retratada em memórias antigas (túmulos egípcios, cerâmica grega, etc.) que apontavam o trigo como o cereal mais utilizado, que moído com água e sal, amassado, era cozido sobre pedras quentes. Comer pão é ainda sinónimo de refeição. Uma família pobre comia por dia cerca de 1800 gramas de pão simples, enquanto a abastada juntava à farinha água e mel para fazer bolos. A comida doce era apreciada por alguns povos, como os egípcios (2500 a.C.); os sírios, que misturavam a farinha com mel, ervas, cozinhada em recipientes de barro enterrados e cobertos com brasas; os gregos que gostavam de bolos cozidos em cinza; enquanto os árabes, apreciadores de bolos e doces, utilizavam a cana-de-açúcar, partilhada ao iniciarem o cultivo e instalação de refinarias para várias qualidades de açúcar, a melhor na alimentação e a pior (mal refinado, escuro, com gosto acentuado) em animais ou medicamento. As leguminosas (ervilha, fava, feijão, etc.) entravam em muitas refeições enriquecidas com azeite, que pela qualidade era gordura de referência e ingrediente alimentar preferido. O vocábulo azeite deriva de “az-ait”, árabe, que significava “sumo de azeitona” . Funcho e cominhos eram condimentos muito utilizados, como pimenta indiana chegada no séc. II. Gorduras animais (manteiga ou banha) e vegetais (azeitona, linho, sésamo e rícino) eram utilizadas em frituras muito apreciadas. As aves de capoeira (patos, perus, gansos, pombos e codornizes) e selvagens como o pelicano eram outra fonte alimentar. A galinha chegou depois trazida por romanos.
O tema justifica visita breve à época medieval balizada pela derrocada do Império romano do Ocidente (séc. V) e queda de Constantinopla (séc. XV). Os árabes e hebreus viveram séculos na Península Ibérica onde deixaram marcas na alimentação local com condutas que se mantêm. A pastorícia do carneiro, preferida, foi salientada no deus egípcio Amon, representado com cabeça deste animal.  
O infante D. Henrique, 1452, mandou plantar cana sacarina na Madeira e montar engenhos de refinar, que tornaram Portugal o maior fornecedor de açúcar da Europa. 
Os povos mediterrânicos comiam com frequência vegetais (couve, aipo, celga, feijão-verde, espinafre, beringela, pepino, couve-flor, espargos, cenoura, alcachofra, etc.) e variados frutos secos, inteiros ou moídos.   
Os hebreus consideravam o carneiro pascal alimento festivo, sinal de abastança, mas a festa de apresentação dum recém-nascido era de galinha com arroz de azeite e a sobremesa de filhós adoçados com mel.
A cerimónia de falecimento, luto pesado, era familiar em refeição conjunta de peixe cozido, legumes, ovos, azeitona e fruta com água ou chã.         
A ceia pascal no reino de Aragão, salada de legumes com aipo, borrifada com vinagre, era acompanhada de grão-de-bico, ovos e mel. Ortensio Lando (1548) no “Catálogo dos inventores das coisas que se comem e bebem” registou que as massas alimentícias tiveram origem numa amostra que Marco Pólo teria trazido da China e que de Veneza partiram para a Europa.
 O vinho, bebida predilecta, de uva, tâmara, romã ou figo (mais alcoólico), conservado em “ânforas” (grandes vasos com asas) eram revestidos de cera ou resina a tapar os poros do barro para evitar a fermentação da bebida que transportava.
A oliveira e a vinha tiveram sempre desempenho importante na cultura e cozinha peninsulares, merecendo por isso reflexões dilatadas. O azeite, gordura extraída da azeitona por processo mecânico dá origem a um “sumo de fruta” rico em aroma e sabor.
A Grécia e a Fenícia praticaram o cultivo de olivais no período mais rico das suas civilizações, que terá levado aqueles povos a considerar estas culturas fontes de riqueza e progresso. A cozinha praticada centrava-se em trigo, azeite e vinho, nobres por serem preparados pelo homem e com importância reforçada por forte simbologia que ligava o homem à terra.
O azeite simbolizava ”paz” (pomba com ramo de oliveira no bico), “força”, ”vitória”, “glória” (vencedor untado com azeite), ”purificação” (limpava e purificava bebés recém-nascidos), “vida” (comida, iluminação, tratamento e liquido sagrado que iluminava os deuses) e “morte” (preparava o corpo do defundo para descer à terra a iniciar a ida para a eternidade).
Os gregos consideravam o azeite, liquido sagrado, utilizado apenas por virgens e homens puros que também podiam tratar de oliveiras.
Em Portugal, no século passado, os alentejanos tinham o hábito, antes de começar a arar uma terra que estivesse muito tempo em repouso de untar com azeite o bico da relha do arado para penetrar na terra com suavidade de modo a fecundação ser rápida e fácil.   
A importância marcante do vinho, foi referida em textos da época, por ser utilizado em múltiplos usos (consumo diário ao litúrgico) de protagonismo próprio na vivência medieval. A sua produção contribuiu para a mudança económica significativa de numerosas regiões do sul da Europa.
O desenvolvimento das vias e meios de comunicação permitiu o consumo de alimentos distantes, como o melão asiático em Avinhão (séc. XIV).
A descoberta das Américas trouxe conhecimento e utilização de inúmeros produtos da terra que vieram alterar a alimentação na Europa. Hoje é difícil imaginar um menu sem batata, tomate, pimento ou chocolate entre outros. A adopção, por vezes difícil, teve de ultrapassar barreiras, temores por ignorância, levando alguns produtos a demoras para serem populares. Em troca o Novo Mundo conheceu alguns produtos (trigo, videira e vinho). A peste negra entretanto, muito transmissiva, provocou na Europa (1348-1360) enorme devastação matando cerca de dois terços da população. O contágio foi reduzido quando se deixou de comer deitado, costume grego e romano, ao optar-se pela posição “ sentado” que permitia libertar as mãos para utilizar a faca e garfo em pratos individuais.
A água essencial à vida, recolhida da chuva em casa, era guardada em cisternas para evitar a transmissão de doenças e efeito de envenenamentos.
Julga-se que os incêndios florestais possam ter dado a conhecer ao homem as delícias da carne assada, mais tenra e apaladada que a crua. O facto deu origem à prática culinária que partilha a alimentação, modo de vida dos diferentes agregados sociais. As primeiras receitas foram da Mesopotâmia e datam 2 000 anos a. C.
A Europa preferiu cozinhar carne e peixe que noutros sítios eram comidos crus. O norte, chuvoso, dispunha de zonas ricas em caça de grande porte (veado, javali, urso) enquanto no sul, mais seco, eram consumidos animais de pequeno porte (caracóis, aves, coelhos, lebres, etc.), acompanhados quase sempre com vegetais. O frango e cabrito, por norma cozinhados com toucinho, levavam molhos ricos em legumes. Os recursos naturais disponíveis, o poder de aquisição e condutas sociais deram origem a diferentes modos de comer. A classe mais abastada, tinha alimentação abundante e variada, enriquecida com produtos vindos de longe, enquanto a campesina, humilde, alimentava-se de modo monótono e pobre (pão escuro de milho painço, cevada, grainha de uva ou bolota com papas). A distinção social manifestava-se sem pudor pela quantidade e qualidade do alimento consumido. As classes mais elevadas, ricas, comiam muito para vincar a sua superioridade, pois comer com ostentação significava poder, saúde, riqueza, prestigio e força. A carne, alimento dos senhores, marcava a distinção, com a peça maior quase sempre assada. Deixar de comer carne era castigo humilhante para qualquer nobre. O excesso, evidente, levou D. Afonso IV a publicar, 1340, a “lei pragmática” para reprimir os abusos à mesa.
Os monges nos mosteiros procuravam obedecer à moderação alimentar com vegetais a desempenhar papel importante em quase todas as refeições. As refeições diárias eram:
 - jantar, mais importante, servido cerca das 10h30, consistia em sopa  de verdura e sêmola de cereais (incompletamente moídos), acompanhada por carne de carneiro ou porco, guarnecida com verduras, pão, vinho e fruta da época;
- ceia, menos abundante, entre as 18 e 19h00,” antes da deita”, constava de um pedaço de carne e vinho.
Em dias de jejum e sextas-feiras, era servida uma sopa de verdura, legumes secos cozidos e peixe ou queijo quando possível.
A alimentação de gente campesina (escassa, espalhada pelos bosques, rude, ignorante e pobre) era de produtos da terra (cereais, legumes e verdura), com carne fresca ou seca, de capoeira ou caça pequena (coelhos, lebres, perdizes), acompanhados por, feijão-verde, fava couve e ervilha. O pão disponível de sêmola (cereais incompletamente moídos).
O povo árabe, respeitador da alimentação, considerada “dádiva de Deus”, era moderado no consumo e partilhava a comida com mais necessitados. Dominava as técnicas de armazenar, conservar os alimentos e guardar os cereais em silos enterrados tapados com cuidado para evitar a germinação. O peixe, consumido na falta de carne ou prática religiosa, com excepção do atum, sardinha e sável, era seco ou conservado em salmoura com grande quantidade de ervas aromáticas. Para assar no forno, retirava com cuidado escamas e vísceras, recheava com pão, nozes, amêndoas, muita erva aromática e temperava com sumo de uva. Seco de salmoura era posto em molho para sair o sal, como se faz no bacalhau, mas frito poucas vezes por causa do cheiro desagradável. Escritor andaluz garantia que as especiarias eram boas a evitar o mau gosto, diferenciar sabores e melhorar o paladar.
O arroz cozido em leite, frequente, servido em recipientes de louça, com iogurte ou queijo era do agrado geral,
As aves de capoeira e selvagens, recheadas por norma com carneiro, grelhadas no espeto, eram acompanhados com ameixa seca, pistacho, mel e geleia. Quando servidas eram borrifados com água de rosas e ornamentadas com ovo cozido, inteiro ou  metade.

 Os ibéricos apreciavam os galináceos gordos “de melhor sabor” que consumiam em marinadas feitas com vinagre ou leite azedo. Os habitantes de Córdoba apreciavam uma sopa de fatias de pão embebidas em caldo de carne fervido com ervas aromáticas e muita hortelã (séc. XIV).

II- OS BANQUETES
Tinham grande significado, podiam durar dias e eram organizados com pompa em obediência a ritual rigoroso. Mais que mero acto de comer em conjunto eram manifestações de grande significado, expressão pública dum acto social de comunhão e identidade. Cerimónias de “bem -querer” transmitiam sentimentos e manifestavam aceitação de compromissos. O anfitrião, rei ou poderoso senhor feudal, para marcar o seu poderio face a convidados, atribuía a quem entendia funções menores a desempenhar no festim, modo disfarçado de dar recados ou deixar avisos.
O banquete real, cerimónia aparatosa, servia para apresentar variadas e abundantes ementas em demonstração pública do poder do dono da casa. No extremo de amplo recinto, filas de faisões vistosamente enfeitados, ladeados por bandos de pombos bravos assados pousados no cimo de montes de castanhas que exalavam um aroma agradável e forte a ervas aromáticas.
Ao lado vitelas, ainda atravessadas por fortes espetos, faziam sentir a sua presença por um aroma apetitoso a carne recém-assada.
Enormes panelões fumegantes de castanha cozida com funcho, aos cantos, pareciam guardar o local do repasto.  
Veados e leitões apetitosamente tostados abocanhavam luzidias e douradas maçãs decoravam outros espaços.
Mesas de cavaletes em numerosas filas apresentavam aves, ainda mornas, já trinchadas, à espera das mãos ágeis de esfomeados convivas.
Cântaros e tinas, dispersos e numerosos, bem colocados, cheios de bom vinho, esperavam com impaciência o momento para apagar a sede aos mais sequiosos. O outro extremo da sala, ocupado por ansiosos convidados, onde a mesa do rei, isolada, se destacava por ser mais alta e estar sobre um estrado. Em sinal de submissão era ladeada pelas mesas dos representantes da igreja e fidalgos mais importantes que ufanos demonstravam a honra recebida. O infante D. Pedro, acerca do momento, referia que quando o senhor estava à mesa era má ocasião para pedir favores que só deveriam ser feitos após a refeição ter terminado. Era momento de boa disposição que convidava ouvir e satisfazer pedidos. O senhor quando está com fome ou triste não deve ser incomodado

III-COMPORTAMENTO À MESA
 Uma carta de 1504, depositada no arquivo estatal de Florença, de Niccòlo Macchíavelli para Cosimo de Medici, merece ser referida pela natureza da informação que presta.
Um criado de mesa, ao serviço dos Bórgia, desejoso de agradar, após observar o comportamento de alguns convidados que tomavam lugar à mesa de seu amo, procurou definir regras de comportamento para o repasto. Considerou para isso que o comensal não devia:
- sentar-se em cima da mesa, estar de costas voltadas para ela  ou ao colo de outro comensal;
- colocar as pernas em cima da mesa;
- sentar-se debaixo da mesa por qualquer tempo que seja;
- colocar a cabeça em cima do prato para comer;
- tirar comida do prato do vizinho sem primeiro pedir-lhe autorização;
- colocar no prato do vizinho partes desagradáveis ou semi-mastigadas da própria comida, sem primeiro pedir autorização;
- usar a sua faca à mesa para trinchar nem limpa-la às vestes do vizinho;
- retirar comida da mesa, guarda-la na bolsa ou na bota, para comer depois;
- dar dentadas nos frutos da fruteira e voltar a colocá-los na mesma;
- beliscar ou dar palmadas ao vizinho;
- emitir ruídos resfolegantes ou dar cotoveladas;
- revirar os olhos ou fazer caretas assustadoras;
- meter o dedo no nariz ou no ouvido durante a conversação;
- fazer maquetas, acender fogos, ou treinar-se na arte da pantomina em cima da mesa ( a menos que o meu Amo o solicite);
- soltar pássaros, cobras ou escaravelhos;
- pegar fogo ás vestes  do vizinho ou conspirar, a menos que seja com o dono da casa;
- tanger alaúde ou outro instrumento que possa incomodar o vizinho (a menos que  o meu Amo o solicite);
- cantar, fazer discursos, proferir impropérios e dizer adivinhas lascivas  quando ao lado estiver uma dama;
- não fazer propostas obscenas aos pajens do meu Amo, nem retoiçar com os corpos deles;
- agredir um serviçal, a menos que seja em defesa própria;

IV-CONCLUSÕES
Concluímos que a alimentação retrato da conduta humana é assunto importante que condicionará a qualidade de vida de novas gerações, pois liga passado, que relata como viviam e comiam os antepassados, ao presente, onde em reunião partilhamos o pão, preocupações e experiências na procura de agasalho e segurança, face ao futuro que aponta dificuldades e sugere alternativas. Prevê-se que com brevidade haja cerca de 900 milhões de humanos a sofrer efeitos da fome, enquanto um terço da população dos países “desenvolvidos” terá graves problemas de saúde por má alimentação ajudada por modas pouco sensatas (anorexia, bulimia, diabética, obesidade, etc.). As sociedades mais pobres, menos evoluídas, têm uma média de vida de 45 anos, metade da esperança de vida das sociedades mais ricas ou desenvolvidas, com tendência para piorar se não forem adoptadas alterações comportamentais profundos e imediatos. Alguns governos, atentos à situação, procuram informar e mobilizar os mais jovens para a prática duma alimentação saudável, mediterrânica, para evitar o consumo exagerado de gordura, sal e açúcar. Defendem o regresso a ementas naturais de alimentos conformes à época do ano, sem adoçantes nem conservantes, confeccionados em adequadas receitas regionais.

PARA SABER  MAIS
- Livro de cozinha da Infanta D. Maria de Portugal, Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1987;
- O pajem do Condestável, Edição Magno, 1999; - El País Semanal, nº 1505.
- Um tratado da cozinha portugueza do séc, XV, Instituto nacional do livro, MEC, 1963;
- ARNAUT, Salvador, Dias, O acto de comer em Portugal na Idade Média, I.N.. 1986;

- SANTOS, Mário, José, Azevedo, Jantar e cear na corte de D. João III;