A imagem de Nossa Senhora
da Vitoria a encimar o altar-mor, a quem o templo foi consagrado, parece velar
pela sua utilização. O padre Louro no "Couceiro ou memorias do bispado de
Leiria" refere que a imagem teria acompanhado D. Nuno nas campanhas
guerreiras o templo apresenta na nave (espaço destinado a fieis) dois altares. Á
esquerda, lado do evangelho, está uma escultura em pedra que representa S.
Jorge, o Bem, a ferir com lança o dragão infernal, o Mal, derrubado a seus pés.
Á direita, lado da epístola, apresenta o Condestável a empunhar a sua bandeira,
que o recorda como guerreiro e monge, formas de servir um ideal elevado.
Teria existido em seu
tempo junto á parede esquerda, a meio da nave, um púlpito de madeira apoiado no
chão que desapareceu. A abóboda da capela-real apresenta no fecho das colunas
"artesoadas" (trabalhadas por artesãos) o pelicano de D. Joao II, possível
indício de restauro da época.
Sublinha-se que a ave, ligada
a Caldas da Rainha, simboliza a fraternidade. O templo apresenta na frontaria
uma pedra com Inscrição em caracteres góticos maiusculos a confirmar ter estado
içada no local a bandeira de D. Nuno na batalha Real. Refere o ano 1431, era hispânica,
em vigor em Portugal ate 1422, quando passou para a de Cristo, que permite
concluir ter sido inaugurado em 1393. Foi redigida possivelmente conforme indicações
de D. Nuno e reza assim:
ERA: DE MIL: E QUATRO
CENT
ETRINTA: EHUU: ANOS:
NUNAL
VARES: P(ER)EIRA: CONDE:
ESTAB'
MANDOU: FAZER: ESTA: CAP
EELA: A ONRA:DA VIRGE:
MARIA: POR
QUE: EN O: DIA: QUE: SE
FEZ: AQI: A BA
TALHA QUE:ELREY: DE
PORTUGAL: OUVE: CO: ELREY
DE: CASTELA: ESTEVE: EN
ESTELOGAR: A BANDEI
RA: DO: DITOCONDE:
ESTABRE:
A pedra apresenta no
bordo inferior, um corte em V invertido que interrompe a ultima linha da Inscrição.
Julga-se que a primitiva porta principal do templo teria sido ogival com a lápida
colocada sobre o fecho superior conforme parece sugerir a marca. Em época
posterior, numa reconstrução da fachada terá sido mudada para a parede lateral
esquerda, onde se encontra. A fachada fronteira apresenta num nicho á esquerda,
uma "quarta" (pequena bilha) sempre cheia de água para matar a sede a
caminhantes, conforme tradição do século XV e compromisso de D. Nuno.
Um cruzeiro de procissão
a sul, recorda o duro confronto entre D. João I e o experimentado cavaleiro castelhano D. Álvaro de Sandoval onde se distinguiu o cavaleiro português da
Ala dos Namorados, D. Martim Gonçalo da Maia pelo socorro eficiente e oportuno
ao rei de Portugal.
Fernão Lopes partilhou
com pormenor o feito no relato da batalha Real. A importância do templo
ultrapassa o valor patrimonial, garante a memória do confronto, permite
conhecer a localização exacta e conduta das forcas antagónicas ao considerar o
local onde foi erguido. O valor defensivo do terreno conjugado com o alcance
das armas mais letais (arco e besta) e manobras tácticas em uso na época,
possibilitaram o conhecimento do local onde a forca portuguesa teria esperado e
vencido o invasor.
O rei de Castela, face á dificuldade
de abordar a forca oponente evitou o confronto e contornou a posição portuguesa
pelo lado do mar na procura de terreno favorável á sua vontade. Em Chão da
Feira, que permitia ampla manobra de rotação, preparou-se para atacar pelo sul
a forca portuguesa.
D. Nuno atento,
antecipou-se e mudou ordeiramente a hoste para outra posição, dois quilómetros
a sul, onde se preparou para afrontar o invasor vindo do Sul. Reforçou os
acidentes naturais, ribeiras da Mata (Oeste) e Madeiros (Leste), a garantir o
melhor desempenho, com:
- "abatizes"
(árvores derrubadas) com a copa virada para o lado de onde viria o atacante,
para lhe dificultar a visão e perturbar o movimento;
- "covas de
lobo" (escavações mais ou menos compridas com largura e fundura
aproximadas de setenta centímetros) disfarçadas com a rama de arbustos para
servirem de armadilha e provocarem a queda de surpresa das montadas do invasor;
- “fossos" (valas
com profundidade aproximada dum homem em pé) que se destinavam-se a deter os
cavalos e canalizar o movimento.
As escavações terão sido
executadas por cerca de 1000 “servos da gleba” mandados por Frei João abade do
feudo de Alcobaça.
D. Nuno entretanto
instalou o comando, sinalizado com a bandeira, em pequena elevação que
facilitava a defesa por permitir a visão sobre o campo de batalha, no local
onde foi edificada a ermida.
A equipa militar
orientada pelo coronel arqueólogo Afonso do Paço, 1959, pôs a descoberto a
Leste e Norte da ermida de S. Jorge, “o grande fosso”, com a direcção sul-
norte, que tinha cerca de 190 m de comprido, 0,8 m de largura e profundidade. A
Sul, foi descoberta uma zona fortificada de 150 por 100m, com 4 fossos e 40
filas de covas de lobo de 60 a 80 m de comprimento. As covas de lobo (830),
dispostas em espinha relativamente ao fosso Norte, possível flanco Leste do
dispositivo português virado a sul.
A ermida foi referida inúmeras
vezes em variados documentos por:
- Fernão Lopes, na crónica
de D. João I;
- Frei Agostinho de Santa
Maria no Santuário Mariano, 1711, relatou o edificado, funções do ermitão ("...ter
sempre agoa para as passageiros..."), entre outros cuidados;
- O Couceiro (publicação
impressa em Braga em 1868) referiu a paga ao ermitão, actividades com dependências
religiosas e compromissos dos duques de Bragança;
O templo do campo da
batalha Real, marco da independência nacional, tem participado em cerimónias de
grande sentido colectivo, que de modo breve iremos referir como os cortejos fúnebres
de D. Joao I, D. Duarte, D. Afonso V, D. Afonso, filho de D. João II e D. João II.
A participação da ermida
de S. Jorge, em nosso entender, não se limitou a participação em acontecimentos
relatados por cronistas, apesar de não termos conhecimento de eventos
realizados nos cerca de 400 anos que se seguiram aos factos relatados, mas
estamos certos que a importância se manteve devido ao fundador, considerado
exemplar guerreiro e Santo.
Ate meados do século XX
realizaram-se cerimonias anuais evocativas da batalha Real e de D. Nuno e posteriormente o Campo Militar de S. Jorge sob a tutela do Exercito tem
comemorado a efeméride com a digna simplicidade própria das cerimónias militares.
PARA SABER MAIS
PAÇO, Afonso do, Capela
de S. Jorge de Aljubarrota, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais, 1945;
Escavações no campo de
batalha de Aljubarrota. Estado actual do problema, edições Brotéria, Lisboa,
1960;
RESENDE, Garcia de,
Cronica de D. João II e miscelânea, edição INCM. 1973;
SAMPAYO, Christoval
Ferreira y, Vida e hechos del Principe Perfecto, Don Juan Rey de Portugal
segundo deste nombre, Madrid, 1926.
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