A batalha de Trancoso
O
tratado de Salvaterra de Magos estabelecia que caso o rei de Portugal D. Fenando
morresse sem deixar filho varão" a coroa passaria para sua filha D.
Beatriz, casada com o rei de Castela. No entanto depois da morte de D. Fernando
o poder, por testamento real, foi confiado a rainha viúva, D. Leonor Teles, o
que teria causado desagrado ao rei de Castela, seu genro. A situação agravou-se
com a aclamação nas Cortes de Coimbra, do mestre de Avis como D. João I, rei de
Portugal. O facto considerado intolerável pelo rei castelhano levou-o a reunir
forcas para fazer valer pela forca os direitos de sua mulher ao trono de
Portugal. Deu início a longo período de relações conflituosas entre os dois
reinos, marcado pelas vitórias portuguesas nas batalhas de Atoleiros (6 de
Abril de 1384); Trancoso (entre 1 a 8 de Julho de 1385); batalha Real ou
Aljubarrota (14 de Agosto de 1385) e Valverde (Agosto de 1385), que acabou com
assinatura da paz Ibérica
(31 de Outubro de 1411).
O
rei de Castela regressado ao reino após o cerco a Lisboa preparou logo forcas
para voltar a invadir Portugal. O fracasso de Lisboa agravado com a derrota em
Atoleiros reclamava urgente campanha punitiva para "lavar a honra de
Castela". Ordenou então a fidalgos, com o apoio do arcebispo de Toledo, a invasão
de Portugal a partir de Castelo Rodrigo. A acção bélica "de diversão",
simultânea com o ataque a Elvas, importante, para o êxito da campanha. O
"ardido" cavaleiro castelhano D. Juan Rodrigues Castanheda, derrotado
em Atoleiros com outros bons e notáveis fidalgos" iniciou os preparativos
da invasão para proveitar condições
existentes:
-
estar por nomear o ''fronteiro'' para a região da Beira lusitana;
-
a nobreza beira local estar desavinda, pois os Coutinhos, senhores de Trancoso,
opunham-se aos Cunhas, senhores de Linhares da Beira;
-
existir clara vantagem do invasor face as exíguas e desorganizadas hostes regionais
portuguesas;
-
as forcas reais de Portugal estarem a norte do rio Douro, distantes, a submeter
os castelos ainda rebeldes.
A
campanha, atractiva, previa êxito fácil com fartos proventos e parecia garantir
impunidade ao invasor.
A
circunstancia obriga a explicação, sumaria, do "afrontamento" de Trancoso,
ou "espera" por a forca local ter ocupado uma posição de espera para
combater com vantagem a forca invasora em deslocamento. Outra explicação
considera não terem estado envolvidas forcas reais nem o ter provocado alteração
significativa no confronto luso-castelhano. Terá sido travado entre 1 a 8 de
Junho, de escassa memoria, embora referida por historiadores (Froissard, Ayala
e Fernao Lopes). Para entender o facto e necessário relacionar datas, lugares,
caminhos e praticas de guerra em uso na época. A única certeza e ter sido na
Beira Alta, próximo de Trancoso e junto da capela de S. Marcos. A força
invasora, cerca de dois mil homens (com não combatentes), procurou executar uma
a Cyao tipo fossado (invadir o terreno inimigo para destruir, saquear, raptar
prisioneiros e regressar com rapidez a evitar a forca do senhor da terra). A invasão
passou por Vale da
Mula,
Almeida, rodeou Pinhel, Trancoso e terminou com o saque a Viseu.
O
valioso espolio, transportado em cerca de setecentas mulas, com elevado numero
de prisioneiros, obrigava a regresso rápido por caminho conhecido a evitar o
encontro com forcas da região.
D.
Joao I e D. Nuno Alvares Pereira, sabedores da situação, tomaram rápidas
medidas a apaziguar os fidalgos desavindos para evitar ou limitar a acção do
invasor. João Fernandes Pacheco, emissário real e senhor de Ferreira das Aves,
conseguiu unir a desavinda nobreza beira que aceitou unir forcas para dar luta
ao invasor, a quem enviaram um escudeiro a avisar que seria detido no seu
percurso.
A
coluna invasora apeada no regresso para evitar passar por Trancoso, saiu do
caminho principal para outro que passava por terra cultivada de modo a tornear
a praça-forte local a distancia de dois quilómetros.
A
forca portuguesa reunida em Trancoso, sabedora das notícias trazidas pelo emissário
regressado, composta por 340 lanças e 1400 peões (servos da gleba e humildes
agricultores "ajuntados' nas comarcas vizinhas). Ao romper a aurora,
comandada por Goncalo Vasques Coutinho, sairam para um local distante meia
legua, onde o invasor teria de passar no regresso, onde ficaram a aguardar. O
local escolhido, adequado cabeço espaçoso, que ficava de frente para o local
donde se esperava o invasor, facilitava a defesa porque estava de costas para o
sol que nascia.
A
coluna invasora "com cerca de três quilómetros de comprimento", pesada,
vagarosa, pouco disposta a combater parou ao avistar o adversário, João
Fernandes Pacheco com o estandarte avançou para discutir e propor as condições.
Garantiu ao comandante castelhano que Portugal não era do rei
do
Castela e afirmou com forca que "Portugal tem rei que quer manter o
seu
reino, fazer justiça, punir ladroes e em seu nome ordeno a entrega imediata do
saque e prisioneiros ou haverá combate " os castelhanos replicaram não
ceder prisioneiros e o saque seria discutido em conferencia.
Joao
Fernandes afirmou em ultimato "nesse caso haverá combate".
A
testa da coluna castelhana para evitar a forca portuguesa afastou-se e
começou
a descer encosta escarpada a oeste do monte de S. Marcos em
direcção
a Freches.
As
portugueses deslocaram-se de imediato para nova posição a cerca de
750m
a sudeste da anterior, para barrar a fuga, junto a ermida de S. Marcos onde
forcaram a peleja. A posição virada a ocidente permitia ao dispositivo português
ficar com o flanco direito apoiado no arvoredo, encostado ao templo e o
esquerdo ficar protegido pela escarpa do monte.
A
coluna inimiga em resposta parou e organizou-se. Castenheda, afamado cavaleiro
castelhano, conhecedor da táctica utilizada por portugueses em Atoleiros mandou
desmontar os seus 400 homens de armas, ficando apenas os cavaleiros montados,
após o que atacou a forca adversaria.
A
forca portuguesa, disposta em formação em uso na época, ficou com os
homens
de armas no centro das duas filas. De cada lado, alinhada, um pouco afastada,
situava-se outra ala de comprimento igual a do centro, um pouco descaida para a
retaguarda.
O
avanco castelhano por terras lavradas prejudicou o ataque por obrigar a abordar
sem ordem o dispositivo português que se manteve forte e unido.
Muitos
peões portugueses "arrebanhados a ultima hora" aterrados com a superioridade
castelhana procuraram refugiar-se em Trancoso mas na fuga
foram
dizimados pela cavalaria inimiga. Os sobreviventes vieram de novo as forcas de
onde tinham fugido e bateram-se com coragem. O combate de mais de três horas
terminou para além do meio-dia devido ao muito calor que se fazia sentir.
Os
pendoes e estandartes dos fidalgos castelhanos ao ir a terra anunciavam o
insucesso do propósito castelhano, que se veio a confirmar. O invasor aterrorizado
acabou atabalhoadamente a procurar salvacao na fuga, abandonando companheiros e
saque para evitar o total extermínio. Foi poupado um dos capitães para relatar o
sucedido. Fernão Lopes resume o resultado da luta deste modo U... dos
portugueses não morreu nenhum Capitão nem homem de grande ou pequena
monta" .
Em
reflexão breve do facto importa referir a importância deste confronto
pois:
-
foi de homem para homem que salientou querer, valor e destreza individual que
exemplificou com invulgar clareza a essência do espirito da cavalaria e a
tempera do homem medieval;
-
a duração, a habilidade manual e o resultado obtido foram excepcionais pela duração
da luta, elevado numero de baixas causadas ao invasor, libertação de
prisioneiros e recuperação do saque inimigo. A consequência do feito originou perturbação
e desorganização dos sistemas castelhanos (feudal e senhorial).
-
a importância politica e bélica, valiosas para Portugal, deu animo a nação
portuguesa
levando-a a acreditar que o valor colectivo dependia da conduta e vontade de
cada um.
PARA
SABER MAIS
AYALA,
Pero Lopez de, Cronica de Dom Juan Primeiro, 1385
ARNAULT,
Salvador Dias, A batalha de Trancoso, Faculdade de Letras de Coimbra,
1947;
FROISSART,
Jean. A batalha de Trancoso, Chroniques, Societe de l'Histoire de
France,
Paris, 1356-1388;
SOUSA,
Duarte Pacheco, A batalha de Trancoso, 2003;
VEIGA,
Augusto Botelho da Costa, De Estremoz a Aljubarrota, Revista "0
Instituto"
vo1.80/81/82
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