Vamos apresentar a ermida de Nossa Senhora
da Vitoria designada pelos residentes, de S. Jorge, talvez por a imagem do
Santo figurar na bandeira de D. Nuno Alvares, condestável de Portugal que
comandou a batalha Real.
A visita, comparativa e inclusiva, nas circunstancias
do seu tempo a procurar ultrapassar o aspecto físico exterior.
Os locais medievais destinados ao culto,
eram considerados de intermediação entre terra e Ceu, conforme a evidencia dos
terenos envolventes destinados a sepultura dos defuntos que se acreditava
garantirem a viagem celeste aos mais crentes, importantes ou afortunados.
Edificados por norma em sítios altos lançados para cima por torres altas, na suposição
que Homem ficaria mais protegido quando próximo do Senhor.
Vamos considerar dois templos, próximos,
coevos, relativos ao mesmo evento e dedicados a Nossa Senhora da Vitória.
O mosteiro de Nossa Senhora da Vitória,
"Casa de Oracon", conhecido por mosteiro da Batalha exemplifica com
aparato o "obrigado real" a Virgem Maria, de modo exaltante e
alicerce dum reinado pacifico, esclarecido, com preocupacoes dinasticas e
nacionais, anunciador de novo tempo com epopeias tidas impossíveis e panteao
dos reis de Portugal.
Apresenta no exterior numerosas (380)
"gargulas", exteriores, jornadas de figuras monstruosas, humanas ou
animalescas, merecedoras de referencia pela função material (salientes
desaguadores das caleiras dos telhados a escoar as aguas pluviais que lançam a
certa distancia das paredes) e função simbólica (delimitar e proteger o espaco
religioso das almas).
Convém relembrar que o templo, a catedral,
"cidade celeste, sintese do mundo, onde as criaturas de Deus podiam
enirar", era pertença da pureza e do Bern, defendida do maléfico mundo
exterior profano).
A grandiosidade do mosteiro, patente na
nave real, central, com mais de 90m de comprimento e 30 m de altura. Foi
edificado durante 145 anos (1388-1533) nos reinados de D. João I; D. Duarte; D.
Afonso V; D. Joao II; D. Manuel I e D. Afonso III).
E símbolo monumental da nascente dinastia
Joanina que expoe no cimo da fachada Sul o escudo real. Experimentou e lancou
novas propostas arquitectonicas com linguagem de complexidade estrutural e
exuberancia decorativa, usadas depois nos Jerónimos, panteao nacional de D.
Manuel I, que tera estado na origem das capelas incompletas.
o porta e principal na fachada Sul do
mestre catalao Huguet marca a ascensao para 0 Ceu com anjos, profetas, reis de
Israel, apostolos, santos e santas.
A ermida de S. Jorge de simplicidade
tocante, terrena, propria do campo onde se deu 0 confronto do exercito invasor
de Castela face a hoste minguada mas decidida do rei eleito nas cortes em
Coimbra pelo povo de Portugal. E edificacao humilde de 1393,feita a mando do
condestavel do reino D. Nuno Alvares Pereira.
o templo foi tendo restauros mas conservou
vestígios da planta primitiva como o torreão amuralhado da capela-mor e
gargulas, Digno mas despojado como e próprio das coisas guerreiras mede 19 por
13 m, e composto por:
- capela-mor , com abside (parede
semicircular ou poligonal por detras do altar), apresenta no fecho da aboboda
nas colunas "artesoadas", trabalhadas, 0 pelicano adoptado por D. Joao
II, indicio possível de restauro coevo de relação muito forte com Caldas da
Rainha, um pouco a Sul.
Por cima do altar-mor esta a imagem de
Nossa Senhora da Vitoria, orago, que vela pela utilização da ermida e referida
pelo padre Louro no "couceiro ou memorias do bispado de Leiria;
- nave, espaço dedicado aos fieis,
apresenta dois altares muito simples.
O do lado do evangelho (esquerda) suporta
uma escultura em pedra que representa S. Jorge "0 Bern" a ferir
com lança o dragão infernal "0 Mal", derrubado a seus pes.
O do lado da epistola (direita) tern a
estatua do Condestavel a empunhar a sua bandeira a evoca-lo como guerreiro e
monge, formas diferentes, complementares, de servir urn ideal elevado.
A ermida apresenta na frontaria uma pedra
com inscrição em caracteres góticos maiúsculos a confirmar ter estada içada
no local a bandeira de D. Nuno aquando da batalha Real.
Refere o ano de 143, era hispânica, em
vigor em Portugal ate 1422, quando passou para a era de Cristo que por ter
menos 38 anos leva a conclusão que a inauguração teria sido em 1393. Redigida
conforme indicações de D. Nuno e reza:
ERA: DE MIL:E QUATRO CENT
E TRINTA: E HUU: ANOS:NUNAL
VARES:P(ER)EIRA:CONDE:ESTAB'"
MANDOU; FAZER:ESTA:CAP
EELA: A ONRA: DA V1RG-E: MARIA:POR
QUE: EN 0: DIA: QUE: SE FEZ AQI:A SA
TALHA QUE:ELREY: DE PORTUGAL: OUVE
CO:ELREY
DE: CASTELA:ESTEVE. EN ESTELOGAR. A BANDEl
RA: DO: DITO CONDE: ESTABRE:
A pedra apresenta no bordo inferior um
corte em V invertido que interrompe a ultima linha da inscrição, talvez por a
primitiva porta ter sido ogival com a placa colocada sobre o fecho superior,
conforme parece sugerir a marca.
A porta de entrada, na reconstrução da
fachada, terá sido mudada para a parede lateral esquerda, onde se encontra.
A fachada apresenta também num nicho a
esquerda uma quarta (pequena bilha) cheia de agua para matar a sede a
caminhantes, tradicao do sec. xv e compromisso de D. Nuno. a templo tem
importancia pelo valor patrimonial, garante da memoria do feito, permite saber
o local exacto do confronto e conduta das forcas antagonicas ao considerar o
valor defensivo do terreno onde foi erguido, manobras da guerra em uso na epoca
e alcance das armas mais letais (besta e arco).
Foi citado em variados documentos por:
.:. Fernão Lopes (cr6nica de D. Joao I);
- Frei Agostinho de Santa Maria (santuário
Mariano, 1711) que refere 0 edificado e funções do ermitao ("... ter
sempre
agora para os passageiros... j entre
outros cuidados:
- Couseiro (impresso em Braga,1868) cita a
paga ao ermitao, actividades com dependência religiosa e compromissos dos
duques de Bragança.
O templo implantado no campo da batalha
Real, evocador da independência de Portugal, tem participado em actos de grande
significado nacional que com brevidade iremos referir como os cortejos fúnebres
reais de D. Joao I, D. Duarte, D. Afonso V, infante D. Afonso, filho de D. Joao
II e D. Joao II.
Julgamos que a participação da ermida de
S. Jorge não se terá limitado a acontecimentos relatados por cronistas. Não
temos conhecimento de eventos realizados nos cerca de 400 anos seguintes, mas
estamos certos que a importancia se manteve por o fundador ser considerado
exemplar patriota, guerreiro e santo.
O museu e campo militar de S. Jorge, sob
tutela do Exercito, ate finais do séc. xx, comemoraram a efeméride com a digna
simplicidade própria das cerimónias militares.
PARA SABER MAIS
ALHO, Ana Patricia Rodrigues, As gargulas
do mosteiro de Santa Maria da
Vrt6ria. Funcao eforma. Orafica da
Batalha, 2010;