sábado, 28 de novembro de 2015

VIII - Memória em Pedra


Vamos apresentar a ermida de Nossa Senhora da Vitoria designada pelos residentes, de S. Jorge, talvez por a imagem do Santo figurar na bandeira de D. Nuno Alvares, condestável de Portugal que comandou a batalha Real.
A visita, comparativa e inclusiva, nas circunstancias do seu tempo a procurar ultrapassar o aspecto físico exterior.
Os locais medievais destinados ao culto, eram considerados de intermediação entre terra e Ceu, conforme a evidencia dos terenos envolventes destinados a sepultura dos defuntos que se acreditava garantirem a viagem celeste aos mais crentes, importantes ou afortunados. Edificados por norma em sítios altos lançados para cima por torres altas, na suposição que Homem ficaria mais protegido quando próximo do Senhor.
Vamos considerar dois templos, próximos, coevos, relativos ao mesmo evento e dedicados a Nossa Senhora da Vitória.
O mosteiro de Nossa Senhora da Vitória, "Casa de Oracon", conhecido por mosteiro da Batalha exemplifica com aparato o "obrigado real" a Virgem Maria, de modo exaltante e alicerce dum reinado pacifico, esclarecido, com preocupacoes dinasticas e nacionais, anunciador de novo tempo com epopeias tidas impossíveis e panteao dos reis de Portugal.
Apresenta no exterior numerosas (380) "gargulas", exteriores, jornadas de figuras monstruosas, humanas ou animalescas, merecedoras de referencia pela função material (salientes desaguadores das caleiras dos telhados a escoar as aguas pluviais que lançam a certa distancia das paredes) e função simbólica (delimitar e proteger o espaco religioso das almas).
Convém relembrar que o templo, a catedral, "cidade celeste, sintese do mundo, onde as criaturas de Deus podiam enirar", era pertença da pureza e do Bern, defendida do maléfico mundo exterior profano).
A grandiosidade do mosteiro, patente na nave real, central, com mais de 90m de comprimento e 30 m de altura. Foi edificado durante 145 anos (1388-1533) nos reinados de D. João I; D. Duarte; D. Afonso V; D. Joao II; D. Manuel I e D. Afonso III). 
E símbolo monumental da nascente dinastia Joanina que expoe no cimo da fachada Sul o escudo real. Experimentou e lancou novas propostas arquitectonicas com linguagem de complexidade estrutural e exuberancia decorativa, usadas depois nos Jerónimos, panteao nacional de D. Manuel I, que tera estado na origem das capelas incompletas.
o porta e principal na fachada Sul do mestre catalao Huguet marca a ascensao para 0 Ceu com anjos, profetas, reis de Israel, apostolos, santos e santas.
A ermida de S. Jorge de simplicidade tocante, terrena, propria do campo onde se deu 0 confronto do exercito invasor de Castela face a hoste minguada mas decidida do rei eleito nas cortes em Coimbra pelo povo de Portugal. E edificacao humilde de 1393,feita a mando do condestavel do reino D. Nuno Alvares Pereira.
o templo foi tendo restauros mas conservou vestígios da planta primitiva como o torreão amuralhado da capela-mor e gargulas, Digno mas despojado como e próprio das coisas guerreiras mede 19 por 13 m, e composto por:
- capela-mor , com abside (parede semicircular ou poligonal por detras do altar), apresenta no fecho da aboboda nas colunas "artesoadas", trabalhadas, 0 pelicano adoptado por D. Joao II, indicio possível de restauro coevo de relação muito forte com Caldas da Rainha, um pouco a Sul.
Por cima do altar-mor esta a imagem de Nossa Senhora da Vitoria, orago, que vela pela utilização da ermida e referida pelo padre Louro no "couceiro ou memorias do bispado de Leiria;
- nave, espaço dedicado aos fieis, apresenta dois altares muito simples.
O do lado do evangelho (esquerda) suporta uma escultura em  pedra que representa S. Jorge "0 Bern" a ferir com lança o dragão infernal "0 Mal", derrubado a seus pes.
O do lado da epistola (direita) tern a estatua do Condestavel a empunhar a sua bandeira a evoca-lo como guerreiro e monge, formas diferentes, complementares, de servir urn ideal elevado.
A ermida apresenta na frontaria uma pedra com inscrição em caracteres góticos maiúsculos a  confirmar ter estada içada no local a bandeira de D. Nuno aquando da batalha Real.
Refere o ano de 143, era hispânica, em vigor em Portugal ate 1422, quando passou para a era de Cristo que por ter menos 38 anos leva a conclusão que a inauguração teria sido em 1393. Redigida conforme indicações de D. Nuno e reza:
ERA: DE MIL:E QUATRO CENT
E TRINTA: E HUU: ANOS:NUNAL
VARES:P(ER)EIRA:CONDE:ESTAB'"
MANDOU; FAZER:ESTA:CAP
EELA: A ONRA: DA V1RG-E: MARIA:POR
QUE: EN 0: DIA: QUE: SE FEZ AQI:A SA
TALHA QUE:ELREY: DE PORTUGAL: OUVE CO:ELREY
DE: CASTELA:ESTEVE. EN ESTELOGAR. A BANDEl
RA: DO: DITO CONDE: ESTABRE:
A pedra apresenta no bordo inferior um corte em V invertido que interrompe a ultima linha da inscrição, talvez por a primitiva porta ter sido ogival com a placa colocada sobre o fecho superior, conforme parece sugerir a marca.
A porta de entrada, na reconstrução da fachada, terá sido mudada para a parede lateral esquerda, onde se encontra.
A fachada apresenta também num nicho a esquerda uma quarta (pequena bilha) cheia de agua para matar a sede a caminhantes, tradicao do sec. xv e compromisso de D. Nuno. a templo tem importancia pelo valor patrimonial, garante da memoria do feito, permite saber o local exacto do confronto e conduta das forcas antagonicas ao considerar o valor defensivo do terreno onde foi erguido, manobras da guerra em uso na epoca e alcance das armas mais letais (besta e arco).
Foi citado em variados documentos por:
.:. Fernão Lopes (cr6nica de D. Joao I);
- Frei Agostinho de Santa Maria (santuário Mariano, 1711) que refere 0 edificado e funções do ermitao ("... ter sempre
agora para os passageiros... j entre outros cuidados:
- Couseiro (impresso em Braga,1868) cita a paga ao ermitao, actividades com dependência religiosa e compromissos dos duques de Bragança.
O templo implantado no campo da batalha Real, evocador da independência de Portugal, tem participado em actos de grande significado nacional que com brevidade iremos referir como os cortejos fúnebres reais de D. Joao I, D. Duarte, D. Afonso V, infante D. Afonso, filho de D. Joao II e D. Joao II.
Julgamos que a participação da ermida de S. Jorge não se terá limitado a acontecimentos relatados por cronistas. Não temos conhecimento de eventos realizados nos cerca de 400 anos seguintes, mas estamos certos que a importancia se manteve por o fundador ser considerado exemplar patriota, guerreiro e santo.
O museu e campo militar de S. Jorge, sob tutela do Exercito, ate finais do séc. xx, comemoraram a efeméride com a digna simplicidade própria das cerimónias militares.

PARA SABER MAIS
ALHO, Ana Patricia Rodrigues, As gargulas do mosteiro de Santa Maria da
Vrt6ria. Funcao eforma. Orafica da Batalha, 2010;

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

VI - A Batalha de Valverde

A Batalha de Valverde

D. João I e D. Nuno separaram-se em Santarém decididos a dar inicio ao aproveitamento da batalha Real. O Rei dirigiu-se para o Norte do reino enquanto o Condestável dava cumprimento a vontade real ao vadear 0 rio Tejo para sul a invadir Castela em "algara" (invasão) devastadora, conforme moda moura em uso.

D. Nuno no início de Setembro foi de Evora (1) a Estremoz (2) onde reuniu a forca que tencionava levar consigo na empresa (1.000 lanças com 2.000 peões e besteiros). Os preparativos, morosos, duraram ate final do mês e organizaram a hoste em:
- vanguarda na frente, comandada por D. Nuno acompanhado pelo alferes (porta bandeira) Diogo Gil;
- carriagem, a meio defendida por homens de pe e besteiros;
- reguarda, na cauda sob 0 comando do Prior do Hospital Alvaro
Goncalves Camelo;
- uma ala capitaneada por Martim Afonso de Melo;
- outra com Goncalo Anes de Castelo de Vide.
A forca de Estremoz passou por Vila Viçosa (3) e continuou em direcção ao rio Guadiana que vadeou a 2 de Outubro próximo de Badajoz (20) para ir acampar (7) a 3 de Outubro a cerca de 20km entre as moitas da charneca castelhana. 0 local escolhido, como Atouguia das Cabras, Ourem, proporcionou epis6dio semelhante ao levantar-se enorme porco selvagem, que foi morto alancada. O incidente considerado de bom agouro causou alegria por prever o êxito da incursão. A hoste no dia seguinte foi para Leste, entre Olivença (5) e Valverde de Langanes (6) ate Almendral (8), distante 6 léguas, onde dormiu, "talando" desvastando tudo o que encontrou no caminho.

A forca disposta para a guerra partiu a 4 de Outubro para Leste em direcção a La Parra (9), 4 léguas curtas, onde viu no alto da serra Maria Andres alguns cavalos do Mestre de Alcântara. O castelhano Martim Anes, O Barvuda, entretanto olhava de longe quando vinha do seu castelo em Feria (10) com 300 lanças, para vigiar a invasor, picar-lhe a retaguarda pronto a atacar quando chegassem as esperados reforços, D. Nuno com o inimigo avista, refugiado nas alturas a espiar, com enorme quantidade de gados e despojos, seguiu para Sul para Zafra (11), a 3 léguas, por Fuente del Maestre (12), 2 léguas, no curso do rio Matachel, Usagre (13), ate Villagarcia de la Torre (14), próximo de Lherena (15), acastelado mas deserto, por a guarnição apavorada ter fugido ao saber a chegada de D. Nuno.
Pouco depois um alarido das alturas anunciou a aproximação do emissário do Mestre de Santiago, o Barvuda, que trazia um feixe de vimes, em que cada um representava uma espada. Vinha em nome dos senhores de Castela, designadamente o mestre de Calatrava D. Goncalo Nunes de Gusmao, desafiar o Condestavel de Portugal. Apos a entrega da última vara, concluída a longa enumeracao dos desafiantes, D. Nuno agradeceu os desafios feitos que lhe davam oportunidade de afrontar os desafiantes, mandou dar cem dobras ao arauto e despediu-o com a resposta que aceitava o repto e contava com a batalha prometida.
Partiu depois para Magacela (16) onde havia um "porto", a 15 léguas, para chegar ao Guadiana que tencionava vadear. No dia seguinte foi para Villanueva de la Serena (17), desceu pela margem esquerda do rio, ao lado de Medellin (18), na procura de um bom vau. a Mestre de Alcântara entretanto com a hoste aumentada para o triplo perseguia atento o português sem tomar a iniciativa de
atacar.

O rio Guadiana entre Medellin e Merida descreve para Sul um arco de volta aperta da que desemboca na foz do ribeiro Matachel.
Ajusante, na margem oposta, fica o promontório de Valverde de Merida (19), em cujo sope do lado poente fica Merida ao lado do Guadiana.
D. Nuno ao acampar na margem esquerda ajusante da boca do Matachel viu nas alturas afrente a forca do Barvudaque comum milhar de lanças esperava a sua chegada. As forcas espiaram-se mutuamente durante o dia e o Condestavel aproveitou a noite para preparar a hoste para o combate do dia seguinte. Afonso Pires, O Negro, "escudeiro de boa nota", referiu a D. Nuno preocupação na diferença das forcas em presença 'los castelhanos aqui ao pé de vós do mais bastos que as ervas".
O reforço castelhano chegado pela "noite velha" após tomear a hoste portuguesa foi ocupar os socalvos do promontório fronteiro.
Os combatentes agrupados eram tantos que se estimou passarem de 50 para 1, pois "era muito mais gente que na da batalha real".
A situação, inversa do confronto de S, Jorge, obrigava D. Nuno a forcar a passagem por posição forte e bem preparada ocupada pelo opositor decidido.
Ao romper a madrugada a hoste portuguesa em quadrado partiu na procura do vau, perigoso e bravo, distante légua e meia do arraial onde tinha pernoitado. Ao chegara margem do rio viu-se cercada de todos os lados.
O inimigo esperava encastelado nos socalcos da margem direita, frente e margem esquerda para apertar a hoste portuguesa numa temível tenaz de ferro.
A desigualdade da situação notada pelo cronista que referiu "os portugueses pareciam no meio do inimigo uma pequena eira em espaçoso campo ".
D. Nuno tinha necessidade de vadear o rio apesar dos dez mil castelhanos que esperavam na outra margern. Após concertar a vanguarda, a reguarda, alas e metade da carriagem com gados e prisioneiros, a hoste avançou cerrada, impenetrável, repelindo a nuvem de projecteis vindos de todo o lado (setas, pedras, virotas).
Impetuosa continuou a marcha, rompeu a encosta da margem direita, subiu os socalcos na procura de chão firme para combater, a forcar os castelhanos a sair dos altos cabeços que ocupavam. Ao verificar que na margem Sul o resto da forca lutava com grande dificuldade face aos ataques castelhanos deu ordem para ficarem quietos enquanto fazia a sua recolha. No regresso ao notar um ajuntamento de gente grada de Castela em volta do Mestre de Santiago, D. Pedro Moniz, Mestre de Alcantara, onde estava Martim Anes, com muitos outros senhores e capitães, ordenou a continuação do ataque. Urna seta entretanto veio cravar-se num pé, não o impedindo de acorrer aonde era mais necessário. O fragor da luta dificultou 0 entendimento do desaparecimento do Condestavel que conforme o cronista foi encontrado por Rui Goncalves a rezar com o relicário do rei de Castela tornado na batalha real, oferecido por D. João I. Finda a oração voltou ao combate e deu ordens para retomar o ataque, guiado pela bandeira branca dividida em quatro seguido pelos companheiros arremeteu com fúria a forca do Mestre de Santiago, morto ao ser derrubado da montada, e depois toda a gente inimiga. As hostes dos mestres da cavalaria castelhana e mais fidalgos, derrotadas, fugiram a galope pela campina, como medrosos rebanhos tresmalhados.
A batalha estava ganha, o campo livre. Consumara-se o milagre da Fe e Vontade. Nuno Alvares pernoitou em Valverde, na manha seguinte passou ao lado de Mérida e foi dormirem local próximo.
Desceu depois com vagar o curso do Guadiana ate Elvas (4) onde entrou após 18 dias em correria com saque farto.
A luta pela independência do reino de Portugal estava finda e consolidada.

PARA SABER MAIS
LOPES, Fernão, Cronica de D. João I, Livraria Civilização-Editora, 1990; MARTINS,
Oliveira, Páginas Escolhidas, editorial Verba, 1992.


domingo, 15 de novembro de 2015

V - Os Caminhos da Batalha Real

I – GENERALIDADES

A eminencia dum conflito leva possíveis contendores a procurar conhecer antecipadamente o local do confronto assim como a conduta previsível do adversário, para cada um poder neutralizar os pontos fortes do antagonista e simultaneamente rentabilizar os seus a seu favor. o propósito e conseguido pelo conhecimento atempado de varies assuntos:
- Inimigo (armamento, composição, disciplina, efectivo, instrução, etc.);
- Terreno (pode condicionar, dificultar ou impedir a conduta beligerante como também orientar a utilização dos sistemas de armas a utilizar);
- clima ou condições meteorológicas (capaz de dificultar ou impedir o controlo das forcas em operações, como afectar o uso do equipamento ).
A escolha do local do afrontamento, "campo de batalha", importante e complexa, e condicionada por múltiplos factores como a finalidade da acção, condições do terreno e itinerários a utilizar, linhas de abastecimento (livres e adequadas) e previsível conduta do adversário. O local materializa o objectivo decisivo, antecipadamente escolhido e estudado, onde cada beligerante procura aproveitar o terreno a seu favor, numa acção que exige a melhor coordenação dos meios utilizados. A forca no confronto tem três momentos distintos: "antes" (preparação)," durante" (luta), "depois" (fuga), que quando considerados permitem o seu correcto entendimento no cenário envolvente.

A batalha Real (de Aljubarrota) a Sul da Batalha e exemplo elucidativo. O deslocamento de grupos armados, por norma evitado, e condicionado e inseguro por diversos factores (segurança, velocidade, comodidade). O percurso da hoste portuguesa de Tomar a Porto de Mós, designado por residentes mais antigos, de Itcaminho de D. Nuno " tem duas etapas (Tornar-P. de Mós) e (P. de Mós - Porto da Cevada) no vale do rio Lena, que considerou:
- o património viário romano edificado na Península Ibérica (218A.C. - 711);
- caminhos compatíveis com a movimentação do apoio logístico das forcas;
- respeito pela verdade histórica e memoria de alguns residentes;
Os tópicos aliados a consulta documental e trabalho de campo (estudo, reconhecimento e observação do terreno aliado ao revestimento vegetal).
Aprendemos o passado colectivo numa perspectiva geral conforme a época, por regra alheia ao desempenho local, que pode impedir uma pesquisa alargada, conforme aos factos ocorridos.


II- ANTECEDENTES
D. João de Castela em finais de 1384, apos levantar o cerco a Lisboa, conduziu as forcas no regresso por Bombarral, Santarém, Golegã, Tomar, Chão de Couce, Miranda do Corvo, Coimbra, Celorico da Beira, Guarda e Fuenteguinaldo em Castela. Regressava irritado por ter fracassado a acção guerreira que comandara para derrubar D. Fernando e conquistar o reino de Portugal. O desconforto provocado por elevadas baixas sofridas pela acção dos heróicos defensores, agravadas pela peste, que sem piedade dizimara o exercito real. Enraivecido prometeu vingar-se sem demora no povo que ousara opor-se asua vontade, causara desonra e provocara tanta dor. As derrotas em Atoleiros, Trancoso e ter falhado a conquista de Elvas, que julgara de conquista rápida e fácil, não impediram a decisão de invadir Portugal pela Beira Alta. Decidido a garantir a decisão de vingar o desaire sofrido e obter o apoio de conselheiros contraries reuniu o conselho real em Ciudad Rodrigo (Castela) para cimentar a decisão de invadir Portugal.
Procurou convencer todos que a acção seria de passeio, não de confronto, pois iriam encontrar gente desunida, sem comando, mal armada, que face a exército tao poderoso e imponente fugiria a sete pés. Iniciou a invasão a meio de Junho, por Almeida, Pinhel, para próximo de Trancoso seguir para Celorico da Beira, onde instalou o comando para redigir o testamento e definir os sucessivos objectivos da marcha de invasão. Retomou a 1 de Agosto a marcha lenta, pela margem direita do Mondego (Fomos de Algodres, Mangualde, Oliveira do Conde, Mortágua, Mealhada) para Coimbra onde atravessou o rio, quase seco, por debaixo da ponte. O movimento do enorme exército invasor condicionado pelo apoio logístico de dois trens em que o "real", dianteiro, composto por 700 carretas e o "geral", traseiro, de inúmeras azémolas com mantimentos, armamento, coisas para comer, vender e também rebanhos com mais de 8.000 cabeças de bois, cabras e ovelhas.

D. João I de Portugal, reunido em Abrantes com reduzidas forcas, mandou chamar com urgência D. Nuno para afrontar o invasor nos eventuais eixos de penetração, pelo Alentejo (Estremoz, Avis, Bemposta e Abrantes) ou pela Beira interior (vale do Mondego). 

D. Nuno acudiu rápido e reuniu com o conselho real que era de opinião evitar-se o confronto com o invasor, invencível pelo tamanho e aparato, e aconselhava el-rei fazer estragos "talar os campos" na Andaluzia para obrigar o atacante a ir de imediato a sua terra em defesa da sua gente e do que era seu. Agastado pela postura, contraria ao compromisso real feito em Guimarães "fazer frente aos invasores", partiu com a hoste para Tomar, 7 de Agosto, para afrontar D. Juan de Castela.


O rei castelhano junto a Coimbra (Santa Clara, Antanhol e Taveiro) para marcar o azedume vingativo mandou patrulhar Montemor-o-Velho, Aveiro e Soure a castigar sem motivo "com sobeja crueldade" decepando mãos a homens, mulheres e gente não adulta, acrescida por vezes com a amputação da língua "se falavam o que não deviam". Optou por continuar para Sul por Soure e Pombal, que levou a forca portuguesa a sair de Tomar para Porto de Mas, base donde podia controlar o caminho para Santarém que em Cruz da Légua tinha condições para afrontar o invasor em andamento.

D. João e D. Nuno com as suas forcas, apos assistirem a missa na capela de S. Lourenço, junto ao rio Nabao, a saida de Tomar, "concertaram as suas batalhas" conforme os "olardos" (revistas), sendo os combatentes distribuídos por capacidades, aptidões e os capitães colocados nos lugares mais convenientes, decididos a honrar o compromisso real de Guimarães na Irmandade de Nossa Senhora da Oliveira. A hoste portuguesa saiu de Tomar a 11 de Agosto, sexta-feira, para a via romana "Olissipo-Bracara Augusta" dando inicio a I etapa do "caminho de D. Nuno" (Tomar- Porto de Mas).Era apoiada logisticamente por 200 carretas, 1.300 azémolas de carga e tiro e 1.500 solipedes de sela que condicionavam o deslocamento.


Tomou o caminho mais curto, compatível, discreto, a evitar "esculcas" (vigias) castelhanas para passar despercebido:
- Carregueiros;
- Sabacheira (assinalada com ponte datada de 1667;
- Seiya (templo onde D. Nuno rezou a Virgem, na ida e na volta);
- Ourem (ponte romana, utilizada pela Ala dos Namorados):
- Atouguia das Cabras na planície de Alveijares sinalizada pelas minas da capela de S. Sebastião incendiada pelos franceses em 1810. A hoste de postos de observação colocados no cimo dos montes mais elevados.

Realizou-se então o reconhecimento para os lados de Leiria que residentes designam por "Caminho de D. Nuno", IT etapa, (porto de Mós- Porto da Cevada), vale do rio Lena, onde o caminho teria sido:
- Descida do "castelo' para a "ponte do cavaleiro' (não transposta);
- marcha para jusante (cerca de 200 m) com saída a direita (caminho rural) que seguia "por cabeços altos);
- ponte romana (1) cia Freixa, sobre a ribeira da Freixa;
- via romana (1) enterrada junto a Casal do Menezes;
- ponte romana (1) do Coito, sobre a Ribeira de Alcanadas;
- quinta do Pinheiro;
- casal de Centas e Brancas, salinas famosas no reinado de D. Sancho I, que podem ter dado origem ao "caminho do sal" utilizado por carroças com pescado vindo da costa.
Será justo salientar o percurso do vale do Lena pela beleza, reduzida extensão (cerca de 6 km), diversa riqueza histórica e patrimonial em que destacamos a ponte do cavaleiro, românica do seculo XIII.



PARA SABER MAIS
MONTEIRO, Antonio de Almeida, o voto de el-rei D. João I antes da batalha real, Grafica de Coimbra 2, 2011;

SANTOS, Victor Portugal Valente dos, Campo de batalha, lugar de memoria, dissertação de mestrado da FLUL, 2011

IV - A Batalha de Trancoso


A batalha de Trancoso

O tratado de Salvaterra de Magos estabelecia que caso o rei de Portugal D. Fenando morresse sem deixar filho varão" a coroa passaria para sua filha D. Beatriz, casada com o rei de Castela. No entanto depois da morte de D. Fernando o poder, por testamento real, foi confiado a rainha viúva, D. Leonor Teles, o que teria causado desagrado ao rei de Castela, seu genro. A situação agravou-se com a aclamação nas Cortes de Coimbra, do mestre de Avis como D. João I, rei de Portugal. O facto considerado intolerável pelo rei castelhano levou-o a reunir forcas para fazer valer pela forca os direitos de sua mulher ao trono de Portugal. Deu início a longo período de relações conflituosas entre os dois reinos, marcado pelas vitórias portuguesas nas batalhas de Atoleiros (6 de Abril de 1384); Trancoso (entre 1 a 8 de Julho de 1385); batalha Real ou Aljubarrota (14 de Agosto de 1385) e Valverde (Agosto de 1385), que acabou com assinatura da paz Ibérica (31 de Outubro de 1411).


O rei de Castela regressado ao reino após o cerco a Lisboa preparou logo forcas para voltar a invadir Portugal. O fracasso de Lisboa agravado com a derrota em Atoleiros reclamava urgente campanha punitiva para "lavar a honra de Castela". Ordenou então a fidalgos, com o apoio do arcebispo de Toledo, a invasão de Portugal a partir de Castelo Rodrigo. A acção bélica "de diversão", simultânea com o ataque a Elvas, importante, para o êxito da campanha. O "ardido" cavaleiro castelhano D. Juan Rodrigues Castanheda, derrotado em Atoleiros com outros bons e notáveis fidalgos" iniciou os preparativos da invasão para proveitar condições existentes:
- estar por nomear o ''fronteiro'' para a região da Beira lusitana;
- a nobreza beira local estar desavinda, pois os Coutinhos, senhores de Trancoso, opunham-se aos Cunhas, senhores de Linhares da Beira;
- existir clara vantagem do invasor face as exíguas e desorganizadas hostes regionais portuguesas;
- as forcas reais de Portugal estarem a norte do rio Douro, distantes, a submeter os castelos ainda rebeldes.
A campanha, atractiva, previa êxito fácil com fartos proventos e parecia garantir impunidade ao invasor.

A circunstancia obriga a explicação, sumaria, do "afrontamento" de Trancoso, ou "espera" por a forca local ter ocupado uma posição de espera para combater com vantagem a forca invasora em deslocamento. Outra explicação considera não terem estado envolvidas forcas reais nem o ter provocado alteração significativa no confronto luso-castelhano. Terá sido travado entre 1 a 8 de Junho, de escassa memoria, embora referida por historiadores (Froissard, Ayala e Fernao Lopes). Para entender o facto e necessário relacionar datas, lugares, caminhos e praticas de guerra em uso na época. A única certeza e ter sido na Beira Alta, próximo de Trancoso e junto da capela de S. Marcos. A força invasora, cerca de dois mil homens (com não combatentes), procurou executar uma a Cyao tipo fossado (invadir o terreno inimigo para destruir, saquear, raptar prisioneiros e regressar com rapidez a evitar a forca do senhor da terra). A invasão passou por Vale da
Mula, Almeida, rodeou Pinhel, Trancoso e terminou com o saque a Viseu.
O valioso espolio, transportado em cerca de setecentas mulas, com elevado numero de prisioneiros, obrigava a regresso rápido por caminho conhecido a evitar o encontro com forcas da região.
D. Joao I e D. Nuno Alvares Pereira, sabedores da situação, tomaram rápidas medidas a apaziguar os fidalgos desavindos para evitar ou limitar a acção do invasor. João Fernandes Pacheco, emissário real e senhor de Ferreira das Aves, conseguiu unir a desavinda nobreza beira que aceitou unir forcas para dar luta ao invasor, a quem enviaram um escudeiro a avisar que seria detido no seu percurso.
A coluna invasora apeada no regresso para evitar passar por Trancoso, saiu do caminho principal para outro que passava por terra cultivada de modo a tornear a praça-forte local a distancia de dois quilómetros.
A forca portuguesa reunida em Trancoso, sabedora das notícias trazidas pelo emissário regressado, composta por 340 lanças e 1400 peões (servos da gleba e humildes agricultores "ajuntados' nas comarcas vizinhas). Ao romper a aurora, comandada por Goncalo Vasques Coutinho, sairam para um local distante meia legua, onde o invasor teria de passar no regresso, onde ficaram a aguardar. O local escolhido, adequado cabeço espaçoso, que ficava de frente para o local donde se esperava o invasor, facilitava a defesa porque estava de costas para o sol que nascia.

A coluna invasora "com cerca de três quilómetros de comprimento", pesada, vagarosa, pouco disposta a combater parou ao avistar o adversário, João Fernandes Pacheco com o estandarte avançou para discutir e propor as condições. Garantiu ao comandante castelhano que Portugal não era do rei
do Castela e afirmou com forca que "Portugal tem rei que quer manter o
seu reino, fazer justiça, punir ladroes e em seu nome ordeno a entrega imediata do saque e prisioneiros ou haverá combate " os castelhanos replicaram não ceder prisioneiros e o saque seria discutido em conferencia.
Joao Fernandes afirmou em ultimato "nesse caso haverá combate".
A testa da coluna castelhana para evitar a forca portuguesa afastou-se e
começou a descer encosta escarpada a oeste do monte de S. Marcos em
direcção a Freches.
As portugueses deslocaram-se de imediato para nova posição a cerca de
750m a sudeste da anterior, para barrar a fuga, junto a ermida de S. Marcos onde forcaram a peleja. A posição virada a ocidente permitia ao dispositivo português ficar com o flanco direito apoiado no arvoredo, encostado ao templo e o esquerdo ficar protegido pela escarpa do monte.
A coluna inimiga em resposta parou e organizou-se. Castenheda, afamado cavaleiro castelhano, conhecedor da táctica utilizada por portugueses em Atoleiros mandou desmontar os seus 400 homens de armas, ficando apenas os cavaleiros montados, após o que atacou a forca adversaria.
A forca portuguesa, disposta em formação em uso na época, ficou com os
homens de armas no centro das duas filas. De cada lado, alinhada, um pouco afastada, situava-se outra ala de comprimento igual a do centro, um pouco descaida para a retaguarda.
O avanco castelhano por terras lavradas prejudicou o ataque por obrigar a abordar sem ordem o dispositivo português que se manteve forte e unido.
Muitos peões portugueses "arrebanhados a ultima hora" aterrados com a superioridade castelhana procuraram refugiar-se em Trancoso mas na fuga
foram dizimados pela cavalaria inimiga. Os sobreviventes vieram de novo as forcas de onde tinham fugido e bateram-se com coragem. O combate de mais de três horas terminou para além do meio-dia devido ao muito calor que se fazia sentir.
Os pendoes e estandartes dos fidalgos castelhanos ao ir a terra anunciavam o insucesso do propósito castelhano, que se veio a confirmar. O invasor aterrorizado acabou atabalhoadamente a procurar salvacao na fuga, abandonando companheiros e saque para evitar o total extermínio. Foi poupado um dos capitães para relatar o sucedido. Fernão Lopes resume o resultado da luta deste modo U... dos portugueses não morreu nenhum Capitão nem homem de grande ou pequena monta" .
Em reflexão breve do facto importa referir a importância deste confronto
pois:
- foi de homem para homem que salientou querer, valor e destreza individual que exemplificou com invulgar clareza a essência do espirito da cavalaria e a tempera do homem medieval;
- a duração, a habilidade manual e o resultado obtido foram excepcionais pela duração da luta, elevado numero de baixas causadas ao invasor, libertação de prisioneiros e recuperação do saque inimigo. A consequência do feito originou perturbação e desorganização dos sistemas castelhanos (feudal e senhorial).
- a importância politica e bélica, valiosas para Portugal, deu animo a nação
portuguesa levando-a a acreditar que o valor colectivo dependia da conduta e vontade de cada um.

PARA SABER MAIS
AYALA, Pero Lopez de, Cronica de Dom Juan Primeiro, 1385
ARNAULT, Salvador Dias, A batalha de Trancoso, Faculdade de Letras de Coimbra,
1947;
FROISSART, Jean. A batalha de Trancoso, Chroniques, Societe de l'Histoire de
France, Paris, 1356-1388;
SOUSA, Duarte Pacheco, A batalha de Trancoso, 2003;
VEIGA, Augusto Botelho da Costa, De Estremoz a Aljubarrota, Revista "0 Instituto"

vo1.80/81/82



III - A Batalha de Atoleiros

III - A batalha de Atoleiros

D. Fernando ao morrer a 22 de Outubro de 1383, marcou tempo de forte crise de nacionalidade, que exigia urgente confirmação da reconquista da independência de Portugal que originou o compromisso patriótico de D. Nuno Alvares Pereira.
A aclamação nas cortes em Coimbra do mestre de Avis como D. João I, rei de Portugal, determinou a nomeação real de Nuno Alvares Pereira como fronteiro-mor do Alentejo que deu início imediato apresada tarefa de realizar a independência do reino de Portugal. O anúncio de nova incursão castelhana pela fronteira do Alentejo obrigou a ida urgente do jovem mas valoroso condestável para a área atingida. Em Estremoz teve conhecimento que o invasor, numeroso, tinha conquistado a vila do Crato com o apoio do prior da vila seu irmão. As notícias vieram dificultar o desempenho da missão real que recebera de defender Portugal, pois a comitiva era reduzida e pequeno o reforço vindo (Elvas e Beja) apesar de repetidamente pedido.
A dificuldade da situação levou D. Nuno a confirmar a companheiros a forte vontade de cumprir a obrigação assumida perante EL-Rei, mesmo que para tal tivesse de com armas na mão enfrentar familiares. Conduziu depois a hoste a caminho de Fronteira, recebendo a meio da etapa um emissário enviado pelo irmão, que vinha propor a desistência pessoal em troca de
grandes regalias. Afirmou em resposta forte e pronta "que havia gana de pelejar" (vontade de combater). Retomou logo a ida para Atoleiros "uma meia légua mais ou menos aquem de Fronteira, um bom sitio para pelejar". Fernão Lopes em "Cronica de D. João I" refere o local do confronto, olival quase plano, encostado a local pantanoso. D. Nuno ao chegar fez apear os homens de armas, preparou o terreno, dispôs da melhor maneira a forca que dispunha de trezentas lanças, mil homens de pé com cem besteiros na "vanguarda", "reguarda" e "alas", direita e esquerda, tendo o cuidado de colocar besteiros e homens de pé, enquadrados por experientes homens de armas "onde entendeu que melhor estariam para bem pelejar". Afastado da sua gente, montado numa mula, empunhando a bandeira, face ao atacante, segura e tranquilo da forca da sua razão, fez a incitação final a companheiros e reafirmou a vontade de cumprir o compromisso que assumira ao rei de Portugal. Com o inimigo avista, apeou, ajoelhou e solicitou protecção divina. Finda a oração, beijou a terra, pôs-se de pé, montou, armou-se de lança e gritou para todos "amigos que ninguém duvide de mim ".

O embate, anunciado pelos contendores com brados de guerra "Santiago" por Castela e "S. Jorge" por Portugal, deu inicio ao ataque castelhano em que os grandes de Castela lanearam de longe, sem tardanca, as montadas sobre o reduzido mas corajoso oponente. O invasor, numeroso e melhor armado, convencido de triunfo fácil e rápido atacou impetuosamente, mas logo começou a sofrer baixas causadas por projécteis certeiros que do interior do quadrado os ia atingindo. Poucos conseguiram chegar as lanças onde se foram espetar, conforme relata Fernão Lopes "...Na primeira tentativa morreram quarenta homens de armas, depois outros quarenta e sete. Dos portugueses nenhum foi morto ou ferido ".. .. " ...A frente da orgulhosa forca castelhana tomou-se um amontoado confuso e na retaguarda a cavalaria dava meia volta e fugia desordenadamente para não voltar". Os fugitivos procuravam justificar a fuga dizendo entre si "homem uma vez desbaratado, mal torna, outra vez a batalha". A forca orgulhosa castelhana, desorientada, foi perseguida ate ao anoitecer. D. Nuno e companheiros, terminado o confronto foram matar a sede na "ribeira das águas belas".
A batalha de Atoleiros, 6 de Abril de 1384, decisiva no fortalecimento da independência do reino, foi brado irreprimível que ecoou na Europa clamando sem temor que Portugal teria de ser ouvido pois reiniciara a identidade como Povo, Nação e Reino. O confronto de significado invulgar por a vitória ser portuguesa contra inimigo bastante superior em número e armamento, mas também por D. Nuno em atitude decidida e arguta, de forte liderança, ter provado merecer a confiança dos companheiros. Vamos referir factos que parecem confirmar o local onde se deu o confronto:
- "A cronica do Condestabre de Portugal", documento antigo, refere que o local na época era designado por "folha da consciência", correspondente possível ao referido campo;
- Foi designado durante seculos por" monte de Atoleiros", não existindo outro na região com igual nome;
- Escavações realizadas encontraram armas, moedas e pulseira que poderão estar relacionadas com o confronto.

Para saber mais
ANÓNIMO, Autor, Cronica do Condestavel de Portugal D. Nuno Alvares Pereira,
1947;
BAIÃO, António, Biografia do Santo Condestavel,1952;
LOPES, Fernão, Cronica de D. João I, 1972.

I - Idade Média

A Idade Media

Sabemos a importância em conhecer o passado para entender melhor o presente e preparar o futuro.
"Jacques de Goff”,
Conhecido estudioso medieval, ajuda na apresentação do milénio medieval.

"Justa a Cavalo" ilustração Vítor Portugal


Os historiadores para explicar melhor o tempo anterior dividiram-no em períodos sucessivos, bem definidos, cada um com características próprias. Vamos referir com brevidade a Idade Media, considerada por muitos tempo de transição, intervalo de qualidade inferior, a separar períodos com interesse de características bem definidas, como a:
- Antiguidade, iniciada 3 000 anos antes de Cristo (A.C.), marcada pelo aparecimento da escrita e continuada ate a derrocada do Império Romano do Ocidente no ano 455 (séc. V);
- Idade Moderna, nascida com O Renascimento, finais do séc. XV, quando poetas italianos, auto denominados humanistas, sentiram ser necessário reencontrar outra civilização, mais refinada, que terminou com a Revolução Francesa em 1789 (séc. XVIII);
- Idade Media, milenar, localizada entre os períodos referidos, no inicio do séc. V e fim balizado pela queda de Constantinopla em 1453, (séc. XV). A derrocada do Império Romano permitiu a invasão da Europa por povos que viviam para alem das fronteiras “limes” estabelecidas por Roma, que os designava por “bárbaros”, com destaque dos germanos vindos do Norte, celtas de Oeste, húngaros e eslavos de Leste.
As deslocações pacificas de alguns mercadores, apenas para comerciarem, foi aproveitada para se fixarem nos novos territórios, apetecíveis e amenos da Europa do Sul, temperados pelo mar Mediterrâneo.
Império Romano entretanto no séc. IV (final) e séc. V (inicio), decidiu abandonar o culto do paganismo de muitos deuses e converteu-se ao cristianismo dum só Deus, que compreendia três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo). A imagem dominante deste tempo, período de enorme sacrifício, obscurantista, foi marcada por obediência subserviente e fé num Deus severo que esmagava a razão do Homem, patente no despojamento do local do culto. o templo até ao séc. XII, em estilo românico, tinha paredes sólidas e baixas, marcadas por abóbadas redondas de berço, suportadas por colunas grossas a definir espaços fechados e pequenos. Foi substituído pelo gótico, edificação arejada, ampla, alta, adornado com paredes rendilhadas, rasgadas por vitrais refulgente de luz e cor, espelho do saber, glória e amor do Divino pelo homem.
S. Bernardo, prior do mosteiro de Alcobaça, contudo limitava o uso da cor para evitar distrair os monges enclausurados. O Deus justiceiro, severo, inspirador de temor e respeito, foi substituído pelo Deus benevolente que de braços abertos acolhia o homem nas suas limitações, a quem oferecia amor, perdão e bondade em partilha amiga sempre disponível.
A nova situação exigia outro lugar de culto, de comunhão pacífica, que transmitisse aos crentes uma imagem da grandiosidade, paz e glória do Criador, numa visão expressiva duma bem-aventurada vida eterna. A Igreja, em renovado espaço, feito a medida da natureza e circunstância do homem, deu início a celebração do amor ao Divino.
A Idade Media presta-se contudo a interpretações quase antagónicas:
- para uns foi um tempo ignóbil, fundamentalista, marcado por relações desumanizadas desnecessariamente exigentes, rudes, entre o senhor feudal e o servo da gleba (jornaleiro), assim como entre Deus e o homem, violento na acção punitiva face a judeus e heréticos, na conduta de cruzadas ríspidas contra muçulmanos, estático ou antagónico a evolução da cultura e da arte, enfim da real valorização do Homem, ser consciente e em potencia boa.
-para outros foi o momento gerador de luz e espiritualidade, "na procura do caminho adequado", onde a vida pulsou autentica, bela e magica, configurada em D. Nuno Alvares Pereira, que atrai e apaixona a juventude, pois tratava de cavaleiros heróicos e generosos, qual "Ala dos Namorados", em nome duma causa, justa e digna, face as suas damas, mostravam junto de castelos, o valor em torneios e justas; de altas catedrais que procuravam elevar o Homem a Deus; de jograis e trovadores que cantavam o amor platónico, casto e puro, alheio a interesses ou prazeres carnais; de actos heróicos ao serviço de causas fraternas; de peregrinações, feiras, convívios e manifestações populares que deram forma e uniram as gentes medievais dando origem á Europa fraterna que queremos continuar a ser, e bastante mais, e a procura do Santo Gral, cálice por onde Jesus bebeu na última ceia com os apóstolos, que originou o espirito da cavalaria, orientou, conteve e impeliu o comportamento cavalheiresco, em particular de D. Nuno; da lenda dos prodigiosos cavaleiros da Távola Redonda; do romance dos amores impossíveis, como o de Tristão e Isolda; de Anjos e Santos milagrosos; de seres monstruosos, diabólicos, ocultos nas entranhas da terra em oposição a fadas benfazejas, luminosas, em defesa do bem e da virtude, que continuam a habitar o nosso imaginário infantil e juvenil.
A Europa que conhecemos, onde vivemos e labutamos apareceu na circunstância, nascida e consolidada em guerras crueis, sobretudo na labuta comercial, marcada por inesgotáveis caminhos em encontro de cultura e civilização europeias, expressas na diversidade de países e línguas que hoje convivem no seu seio.

PARA SABER MAIS
GOFF, Jaques Le, A Idade Media para principiantes. Temas e Debates

II - Crise de 1383 a 1385


"Ala dos Namorados" pela nossa terra e pelas nossas damas

1. Panorama sociopolítico da Europa no seculo XIV

A Europa ocidental teve entre o séc. XII e séc. XIV (inicio) um período de vincado crescimento, progresso e bem-estar, que permitiu um aprofundamento sistematizado no pensamento e cultura de cada região, evidentes das torres altaneiras das catedrais góticas, símbolo de poder e abastança, consequente do aumento da área cultivada, crescimento urbano, intensificação das relações comerciais e crescimento das populações. A situação contudo entre 1 300 -1 400 piorou dramaticamente devido a crise múltipla (económica, social e politica) agravada por diversos factores. o séc. XIV interrompeu o bem-estar laboriosamente construído ao longo dos seculos, com prejuízo na harmonia entre pessoas, cidades e países, provocando situações de conflitualidade e agitação na sociedade. o espaço rural espelhava então uma sociedade marcadamente agrícola de "trabalhadores da terra", obrigados a irem viver para a cidade, onde já havia "mesteres" (profissão manual) em excesso, para fugirem a arbitrariedade injusta dos senhores rurais. Surgiu assim um desequilíbrio insuportável entre o valor dos salários e o custo de vida, espelhado com dor no mundo rural, que levou os mais pobres a procurar refugio nas cidades e provocou graves e frequentes períodos de fome.
A situação, agravada pela guerra dos 100 anos ", lesou com particular ferocidade o rural desprotegido, dependente do dono e senhor da terra, que para subsistir aumentou as rendas. o campesinato recém "homem livre" voltou a ser ameaçado por servidão violente e sem futuro. O panorama urbano apresentava em consequência aspecto quizilento devido a situação comercial e industrial extremar posições entre os poderosos senhores burgueses, detentores do capital, face a crescente multidão de artífices assalariados, pobres, vitimas da perturbação social da época. A luta dos preços provocou luta desapiedada nos mercados europeus, deu origem a conflitos graves entre empregados e empregadores, duros na década de oitenta, pela agressividade da gente do campo iniciada na luta politica. Em termos globais a mudança social afectou os universos envolvidos (senhorial, urbano e rural) caracterizou a violenta vivência urbana do séc. XIV com a formação de bandos rivais em luta desapiedada, empenhados em tumultos frequentes pelo domínio do poder autárquico. o cenário, preocupante pelo retrato social, foi agravado por novos factores, alguns dos quais queremos nomear:
- "Surtos da peste negra na Europa (1348 e 1360)" que reduziram muito o panorama demográfico (até 2/3 do valor anterior) da população europeia com evidentes consequências na actividade do universo laboral da época;
-"Grande Cisma do Ocidente (1378-1417)", provocado pelo papa Clemente VII ter ido para a vinha enquanto o Papa Urbano VI ficava em Roma, que evidenciava grave divisão no seio da Igreja Católica. O facto deu origem a enorme confusão nos espíritos da época que dividiu a cristandade em dois mundos antagónicos, privando a Europa da principal forca aglutinadora que ate ai a tinha orientado e consolidado;
- "Abertura de universidades laicas" que retirou exclusividade do ensino a Igreja, enfraquecendo-a ainda mais. A novidade não contribuiu para serenar e esclarecer os espíritos na vertente religiosa.

2. Consequências no reino

Portugal, pais pequeno, distante e periférico dos centros de decisão europeus, sentiu as alterações verificadas além-fronteiras, reflectidas na conduta da gente do reino. o facto ajuda a entender o desenvolvimento e consequências do Tratado de Salvaterra de Magos, a 2 de Abril de 1383, desencadeadas pela morte de D. Fernando, a 22 de Outubro de 1383, que deram origem a período de grande violência social evidente na crise de 1383-1385, que revelava linbas de fractura na coesão do reino. A revolução desencadeada pela sucessão deste rei cresceu em fases sucessivas, levando a considerar necessária e urgente a morte do conde Andeiro, que Álvaro Pais, rápida e astutamente, procurou disfarçar com oportuna intervenção popular para transformar a conspiração palaciana em insurreição publica dos mesteirais de Lisboa. O confronto alastrou-se a todo o reino opondo o "povo miúdo" a alcaides e homens bons, em que os primeiros conquistaram castelos, expulsaram notáveis mesmo quando clamavam serem pelo partido do mestre. A revolta, vinda dos centros urbanos, alastrou com rapidez ao campo onde a "raia miúda" desempenhou papel decisivo no acontecimento.
O reino profundamente dividido, pois enquanto a norte, de autoridade senhorial mais forte, aceitava sem grande oposição o tratado de Salvaterra de Magos, a sul no Alentejo e Algarve, se assumia quase na totalidade, decididamente, o partido do Mestre em oposição aquele tratado. A vitória que garantiu a independência de Portugal, duramente conquistada no campo de S. Jorge, foi de imediato reconhecida como triunfo colectivo da Nação, face a enorme ameaça exterior. Assumiu significativo reforço O ''juízo de Deus", em que ajustiça divina garantia a vitória a "quem tinha a razão por si”, legitimando com evidencia o reconhecimento do mérito do mestre de Avis e justiça da causa pela qual lutavam as forcas que o apoiavam,
D. João I de Portugal, vencedor real de Aljubarrota ao assumir e exercer logo o poder como chefe de uma Nação que se descobrira em momenta crucial e de grande perigo, conduziu ao estabelecimento de uma sociedade revigorada que permitiu a Portugal ter início de nova etapa colectiva face ao futuro.


PARA SABER MAIS
DAMIAO, Historia de Portugal, 1928;
LAPA, Quadros da Cronica de D. Jõao I, 1939;
SARANA, 1385 Inicio. Crise Geral III, 1988;